Quinta-feira, Abril 18, 2024

Germano de Almeida: O Prémio Camões que nunca quis ser escritor

Catarina da Ponte

Germano de Almeida nasceu a 31 de Julho de 1945, em Sal-Rei, Ilha da Boavista, em Cabo Verde. Advogado de profissão, ex-procurador Geral da República e ex-deputado do seu país, tornou-se escritor – ou antes “contador de estóreas” (expressão que prefere) – já perto dos 40 anos, sendo actualmente um dos autores mais consagrados da literatura lusófona e dos mais lidos e traduzidos de Cabo Verde. Em 2018, foi distinguido com o Prémio Camões, tornando-se o segundo escritor cabo-verdiano a vencer o mais importante galardão de literatura de língua portuguesa, depois do poeta Arménio Vieira, em 2009. Em Outubro do ano passado, lançou o seu último romance “A Confissão e a Culpa” (no 14º Festival Literário Escritaria, de Penafiel), encerrando a Trilogia do Mindelo, um conjunto de três livros, dos quais fazem também parte os títulos, “O Último Mugido” (2020) e “O Fiel Defunto” (2018). Publicadas em Portugal sob a chancela da editorial Caminho, as obras centram-se no assassinato do escritor ficcional, Miguel Lopes Macieira, retratando a essência do povo do Mindelo, cidade que se localiza na ilha de São Vicente, onde o autor vive há mais de 45 anos. É, aliás, no fervilhar da vida cultural desta cidade que adoptou e que o adoptou, que vai buscar muita da inspiração espelhada na sua extensa obra. Apesar de uma certa displicência com que sempre falou de si e da sua obra, rejeitando o título de escritor e reclamando o de “contador de estóreas”, num artigo do Jornal de Letras, publicado em Junho de 2018, Ana Cordeiro, especialista da sua obra e de literatura cabo-verdiana, alerta para o facto de: “os seus romances, todos, sem excepção, poderem ser objecto de diversas e complexas leituras. Seja do ponto de vista sociológico, jurídico, literário, linguístico, antropológico ou qualquer outro, há sempre uma nova camada a descobrir, um novo ângulo a ser explorado”.

Veste-se quase sempre de branco, tem 1,95 metros de altura, um sorriso permanente nos lábios e um sentido de humor e ironia aguçados. Viveu até aos 18 anos na ilha da Boa Vista, a terceira maior de Cabo Verde, de onde saiu rumo à capital portuguesa para se licenciar em Direito, na Universidade Clássica de Lisboa, com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Estava em Lisboa, a frequentar o terceiro ano da licenciatura, quando se deu o 25 de Abril de 1974. Regressou, dois anos depois, já com o canudo na mão e com a independência de Cabo Verde (proclamada a 5 de Julho de 1975). Em 1979, inicia a sua profissão de advogado e começa a trabalhar no Gabinete de Estudos do Ministério da Justiça, na Praia (Ilha de Santiago). Pouco tempo depois assume o lugar de Procurador-Regional também nessa cidade, altura em que nessas mesmas funções é transferido para Mindelo. Deu os primeiros passos como escritor no início da década de 1980. Em 1981, com 36 anos, edita o seu primeiro livro, “O Dia das calças Roladas”, onde narra a contestação popular contra a reforma agrária no final do mês de Agosto desse mesmo ano. As suas primeiras histórias são escritas sob o pseudónimo de Romualdo Cruz e publicadas na revista Ponto & Vírgula (existente entre 1983 e 1987), a qual co-fundou com o artista plástico Leão Lopes e com o psicólogo Rui Figueiredo. Aquelas histórias foram, posteriormente, publicadas em 1994 com o título “A Ilha Fantástica”, que, juntamente com “A Família Trago” (1998), recriam os anos de infância e o ambiente social e familiar que o autor viveu na ilha da Boa Vista. Ainda no plano cultural foi co-proprietário da Ilhéu editora (1989) e do jornal mensal Agaviva (entre 1991 e 1992) criado após a vitória eleitoral do MpD (Movimento para a Democracia).

Anos depois, aos 44 anos, publica o seu primeiro romance, “O testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo” (1989), considerado um clássico da literatura cabo-verdiana e lusófona. Escrito em 15 dias, a obra narra a história de um dos mais ricos comerciantes de Cabo Verde que consegue enriquecer a vender milhares de guarda-chuva, numa terra onde a seca é permanente. Elogiado pela crítica, o livro foi adaptado ao cinema pelo realizador Francisco Manso em 1996 e contou com um elenco de brasileiros, portugueses e cabo-verdianos e, com a participação especial da “rainha da morna”, Cesária Évora. Conquistou o 1.º Prémio do Festival de Cinema Latino-Americano de Gramado, no Brasil, em 1997, e os prémios para o Melhor Filme e Melhor Actor no 8º Festival Internacional Cinematográfico de Assunción, no Paraguai. Sucederam-se-lhe os títulos “O Meu Poeta”, 1990, “Estórias de Dentro de Casa”, 1996, “A Morte do Meu Poeta”, 1998, “As Memórias de Um Espírito”, 2001 e “O Mar na Lajinha”, 2004, que formam o que os especialistas consideram o ciclo mindelense da obra do autor. Da sua extensa obra, distinguem-se, ainda, os livros “A morte do meu poeta” (1998); “A Família Trago” (1998); “Estórias contadas” (1998); “Estórias de dentro de Casa”; “Dona Pura e os Camaradas de Abril” (1999); “As memórias de um espírito” (2001); “Cabo Verde – Viagem pela história das ilhas” (2003); “O mar na Lajinha” (2004); “Eva” (2006); “A morte do ouvidor” (2010); “De Monte Cara vê-se o mundo”, entre outras. As suas obras encontram-se publicadas no Brasil, França, Espanha, Itália, Alemanha, Suécia, Holanda, Noruega e Dinamarca, Cuba, Estados Unidos, Bulgária e Suíça. Recebeu duas condecorações de Portugal, o grau de Comendador da Ordem do Mérito (1997), e o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (2019).

Partilhe este artigo:

- Advertisement -
- Advertisement -

Artigos recentes | Recent articles

Um país na flor da idade

Nos últimos 20 anos Angola sofreu inúmeras transformações, desde a mais simples até à mais complexa. Realizou quatro eleições legislativas, participou pela primeira vez numa fase final de um campeonato do mundo, realizou o CAN e colocou um satélite em órbita.

David Cameron

David Cameron foi Primeiro-Ministro do Reino Unido entre 2010 e 2016, liderando o primeiro Governo de coligação britânico em quase 70 anos e, nas eleições gerais de 2015, formando o primeiro Governo de maioria conservadora no Reino Unido em mais de duas décadas.

Cameron chegou ao poder em 2010, num momento de crise económica e com um desafio fiscal sem precedentes. Sob a sua liderança, a economia do Reino Unido transformou-se. O défice foi reduzido em mais de dois terços, foram criadas um milhão de empresas e um número recorde de postos de trabalho, tornando-se a Grã-Bretanha a economia avançada com o crescimento mais rápido do mundo.

Conferências com chancela CV&A

Ao longo de duas décadas, a CV&A tem vindo a promover conferências de relevo e interesse nacional, com a presença de diversos ex-chefes de Estado e de Governo e dirigentes políticos de influência mundial.

As idas e vindas da economia brasileira nos últimos 20 anos

Há 20 anos, o Brasil tinha pela primeira vez um presidente alinhado aos ideais da esquerda. Luiz Inácio Lula da Silva chegava ao poder como representante máximo do Partido dos Trabalhadores (PT).

Uma evolução notável e potencial ainda por concretizar

Moçambique há 20 anos, em 2003, era um país bem diferente do de hoje. A população pouco passava dos 19 milhões, hoje situa-se em 34 milhões, o que corresponde a um aumento relativo de praticamente 79%, uma explosão que, a manter-se esta tendência será, sem dúvida, um factor muito relevante a ter em consideração neste país.

O mundo por maus caminhos

Uma nova ordem geopolítica e económica está a ser escrita com a emergência da China como superpotência económica, militar e diplomática, ameaçando o estatuto dos EUA. Caminhamos para um mundo multipolar em que a busca pela autonomia estratégica está a alterar, para pior, as dinâmicas do comércio internacional. Nada será mais determinante para o destino do mundo nos próximos anos do que relação entre Pequim e Washington. A Europa arrisca-se a ser um mero espetador.

Mais na Prémio

More at Prémio

- Advertisement -