Sexta-feira, Abril 26, 2024

CCB: uma “Cidade Aberta” para o mundo

Sofia Arnaud

Um grande complexo arquitectónico e uma das maiores obras públicas do Estado Português do século XX, que tem como objectivo a divulgação da cultura nas mais variadas expressões artísticas e o acolhimento dos maiores eventos internacionais. Este foi o desígnio inicial e esse será o desígnio de sempre do Centro Cultural de Belém (CCB).

A 21 de Março de 1993 foi inaugurado na capital portuguesa um projecto que marcou uma nova forma de “olhar” para a cultura. Numa época em que a oferta na área da cultura era escassa nasce o Centro Cultural de Belém (CCB), na época contestado por muitos devido à sua localização, junto ao Mosteiro dos Jerónimos, monumento do século XVI classificado como Património Mundial pela UNESCO, e às linhas “despojadas e monolíticas” escolhidas para o edifício. 

“Na segunda metade dos anos 1980, Lisboa, exceptuando a Fundação Calouste Gulbenkian, não tinha um centro cultural, nem um centro de congressos, de escala e dimensão internacional, à medida de uma capital europeia. À visão e ao empenho do então ministro Luís Valente de Oliveira se deve a ideia e o desígnio prioritário do governo, no desenvolvimento do projecto e da construção deste Centro Cultural de Belém”, conta Elísio Summavielle, Presidente do Conselho de Administração da Fundação Centro Cultural de Belém (FCCB). Acrescentando que: “A presidência europeia de 1992 foi a meta estabelecida para a sua abertura, cujos preparativos, com o concurso internacional de arquitectura e a posterior construção do imóvel, se iniciaram em 1986.”

O CCB marca o início de uma nova era cultural na cidade e no país, de abertura e cosmopolitismo, de valorização da cultura. “Esse processo de internacionalização evoluiu muito a partir de então, com a Lisboa-94 (Capital Europeia da Cultura), com a Expo-98, e com tudo o que veio a acontecer depois. A presença do CCB fez esse novo mapa”, refere.

A esmagadora maioria das opiniões críticas e negativas relativas ao projecto do CCB esvaíram-se ao longo do tempo. Conforme relembra Elísio Summavielle: “Pessoalmente, tive o privilégio de acompanhar de perto a preparação do concurso de arquitectura, e o sequente processo, enquanto exercia funções técnicas no então IPPC (Instituto Português do Património Cultural). Nunca partilhei as opiniões negativas dominantes relativamente ao lugar e ao projecto vencedor, antes pelo contrário, assim que tive conhecimento do desenho de Vittorio Gregotti (com Manuel Salgado), percebi que se tratava de uma arquitectura de excelência, resultante de um perfeito entendimento do lugar onde se implantou. Hoje, o CCB está legalmente protegido, está classificado como Monumento de Interesse Público, e não tenho qualquer dúvida em afirmar que será decerto o melhor projecto público construído após a revolução de 25 de Abril.”

Conhecendo o edifício em toda a sua dimensão, nos seus 100 mil metros quadrados, pode reparar-se que se trata de uma pequena cidade, ortogonal, quase pombalina no conceito, com uma via principal e ruas laterais de confluência. “O Mestre Gregotti referiu-o uma vez, numa entrevista, como ‘Cidade Aberta’, e o CCB é isso de facto: um ponto de confluência de todas as artes, de toda a cultura, da inovação, dos grandes eventos culturais, políticos e corporativos, enfim, um lugar de excelência para todas as manifestações de modernidade”, refere orgulhoso o Presidente, que este ano inicia o seu terceiro mandato à frente da instituição.

Em 2007, o Centro de Exposições do CCB encerrou para acolher o Museu Colecção Berardo, com as peças cedidas ao Estado pelo coleccionador e empresário José Berardo. “Este Centro de Exposições é o maior espaço expositivo do país, e tem capacidade para acolher não só a Colecção Berardo, como também outras importantes colecções de arte contemporânea do país”, sublinha o responsável. 

Na opinião de Summavielle, Portugal já tem uma importante rede de equipamentos culturais, modernos e modernizados, que interessa agora alimentar e potenciar com os recursos disponíveis. Além do apoio estatal, o decisivo e crescente investimento que o poder local tem feito na área da cultura nas últimas décadas tem sido decisivo. “Assim, se somarmos o investimento estatal e o investimento local é possível compreender a manifesta vitalidade da cultura no nosso país. É preciso saber articular e conjugar politicamente esses dois factores de financiamento, de promover um necessário esforço de optimização da oferta, visando a justa visibilidade futura de uma rede existente, e com grande potencial”, evidencia.

Depois de ter acolhido em 1992 a primeira Presidência Portuguesa do então Conselho das Comunidades Europeias, o CCB voltou a instalar a Presidência Europeia de 2021 no Centro de Congressos e Reuniões do CCB. “Este contrato, preparado e assinado anteriormente ao período da pandemia, foi decisivo para que houvesse um mínimo de sustentabilidade na Fundação CCB, e dos seus cerca de 150 colaboradores, num período particularmente crítico das nossas vidas, de enormes sacrifícios”.

Para o próximo ano, o CCB comemora 30 anos, marcados de grandes momentos e da maior pluralidade de acontecimentos culturais. “Houve uma nova área em que apostámos no período ‘pré-pandemia’, e que não era marca habitual na vida do CCB, mas que veio a revelar bastante sucesso na afluência de público — o cinema”, adianta o responsável. “Iniciámos o projecto Belém Cinema partindo da enorme nostalgia que o público tem das grandes salas de cinema que, infelizmente, desapareceram do mapa. O sumptuoso Grande Auditório do CCB, com o seu excelente equipamento de projeção, é um lugar privilegiado para sentirmos a magia do cinema, e esgotou por diversas vezes a sua lotação com a passagem periódica de alguns grandes clássicos, e isto acontece em contraciclo do que infelizmente vai sucedendo nas pequenas salas da cidade”. 

Relativamente ao futuro, está prevista a construção de um hotel de luxo e de uma área comercial no CCB durante os próximos anos, o que se tornará muito importante para a sustentabilidade futura desta Fundação, para que ela possa viver com maior desafogo financeiro e menos dependente dos dinheiros públicos. 

No entanto, depois de uma pandemia mundial, e agora com a Guerra da Ucrânia, com todos as consequências nefastas para a economia, o então presidente do CCB vai prudentemente aguardar que os cenários negativos se dissipem no quadro de uma maior estabilidade empresarial para que a FCCB obtenha o melhor sucesso nesta operação.

CCR: Um espaço de eleição na cidade de Lisboa

O Centro de Congressos e Reuniões (CCR) faz parte de um complexo único, que é o Centro Cultural de Belém, uma “Cidade Aberta” com ruas, praças, jardins, salas e auditórios.

De acordo com Madalena Reis, vogal do Conselho de Administração do CCB, este espaço está vocacionado para todo o tipo de eventos e já se afirmou como um espaço de eleição na cidade de Lisboa. “A atividade que desenvolve é fundamental para o apoio financeiro do projecto cultural do CCB”, acrescenta.

A sua localização privilegiada permite que qualquer janela ou terraço do CCB seja um autêntico “cartão postal” do melhor que Lisboa oferece. 

“O CCR foi pensado de raiz para oferecer diferentes tipologias de salas, ‘foyers’ e auditórios, capazes de se articular e complementar entre si, para acolher todo o tipo de eventos e reuniões. Além de um rigoroso trabalho de manutenção e renovação dos espaços e do edifício, o CCB tem apostado sempre em instalar e oferecer soluções digitais que deem conforto aos clientes e proporcionem uma boa experiência durante o evento, nomeadamente através eventos híbridos, eventos 100% digitais e com a componente ‘streaming’. A preocupação ambiental está presente nas tecnologias e na eficiência energética que utilizamos nos nossos eventos, minimizando a pegada ecológica”, explica a responsável pelo CCR.

Questionada pelos principais marcos ao longo destes quase 30 anos de existência, Madalena Reis conta que: “O Centro de Congressos e Reuniões foi inaugurado com a Presidência Portuguesa da União Europeia em 1992, e em 2021 voltou a acolher a PPUE, o que atesta a qualidade do espaço e a adaptabilidade das equipas e das soluções técnicas, para acolher eventos desta envergadura à data de hoje.” Salientando também muitos eventos que merecem destaque ao longo de quase 30 anos, como o lançamento mundial do Alfa Romeo 156, várias edições do Rally Lisboa Dakar ou o encontro da Cultura com Sua Santidade o Papa Bento XVI. Mas há tantos outros eventos de grande, pequena e média dimensão que trouxeram até ao CCB empresas e marcas como a Google, Porsche, JWThomson, Santander, Apifarma, Linklaters, Delta, Red Bull ou a NOS Lusomundo, que muito nos honram e que trazem ao CCB eventos”. 

Quanto a projectos futuros para o CCR, a vogal do Conselho de Administração do CCB refere que o CCB tem tido uma aposta forte na componente digital, e há três anos lançou o programa de transformação digital intitulado “CCB Cidade Digital”, transversal a toda a instituição, e com um impacto muito positivo no Centro de Congressos e Reuniões, pois dotou-o de mais meios e soluções que vão ao encontro das necessidades dos clientes e apresentam propostas de vanguarda. 

Mafalda Reis conclui que: “No futuro continuaremos a apostar nesta frente de trabalho, e também nas áreas de Sustentabilidade (ESG) pois queremos continuar a implementar soluções de eficiência energética, na renovação e adequação das salas, melhorias nas acessibilidades, e também incorporação de um projecto de responsabilidade social, a Cafetaria Único, que abrirá ao público em Junho deste ano.” 

À Conversa Com… Elísio Summavielle, Presidente do Conselho de Administração da FCCB

Este ano assume o terceiro mandato à frente do CCB. Que balanço faz dos dois mandatos anteriores? Quais os principais desafios e conquistas? 

Na verdade, até há poucas semanas já tinha dado por findo o meu ciclo na FCCB. Por um lado, sou favorável a uma limitação de mandatos para os dirigentes das instituições, e a bem dessas mesmas instituições. Por outro lado, em dois mandatos sinto ter cumprido os meus objectivos iniciais, a obtenção de um importante reequilíbrio financeiro e de estabilidade interna na Fundação, face à realidade tão complicada que encontrei em 2016, e sem que tenha sido necessário pedir mais ao Estado do que aquilo que contratualmente o Estado oferece à Fundação. Conseguimos atingir excelentes patamares de público nos nossos espectáculos, e de clientes corporativos em 2019. Também foi obtido sucesso no processo de legitimação e legalização dos terrenos do CCB, de modo a que se abrissem as portas à conclusão do seu projecto inicial. Só que, a vida tem destas coisas, ao contrário do que tinha planeado para mim próprio, fui surpreendido pelo facto do novo ministro da Cultura ser quem é, e me ter honrado com o convite para continuar por mais três anos as minhas funções. E tratando-se de alguém que muito prezo e admiro, não consegui recusar o convite. Como sempre fiz nestes 42 anos de serviço público que já levo comigo, darei sempre o melhor que saiba e que possa fazer. Assim eu tenha a saúde necessária, porque desafios nunca faltarão nesta casa. E assim o mundo e o país permitam que o tempo futuro venha a propiciar que o CCB obtenha o lugar que merece no universo destas organizações. Aqui estamos sempre em construção, o CCB é uma cidade maravilhosa.

Falou-nos da conclusão do projecto inicial do CCB. Sabemos que está prevista a construção de um hotel de luxo e de uma área comercial. Quer falar-nos um bocadinho deste projecto?

Os três anos do meu primeiro mandato foram exercidos, também, com o objectivo estratégico de se conseguir concluir o projecto inicial do CCB, dos arquitectos Vittorio Gregotti e Manuel Salgado, com a construção dos módulos 4 e 5 (hotel e centro de comércio e serviços). A concretização desse objectivo, e os proventos futuros que dele virão, serão muito importantes para a sustentabilidade futura desta Fundação, para que ela possa viver com maior desafogo financeiro e menos dependente dos dinheiros públicos. Foram necessários esses três primeiros anos, uma verdadeira “via sacra”, para que a complexa questão dos terrenos ficasse finalmente resolvida. Logo a seguir, em finais de 2018, lançámos o procedimento internacional para a subsessão do direito de superfície dos terrenos, com vista à construção e exploração dos referidos módulos. Só que a nefasta realidade da pandemia Covid veio a acontecer em plena fase de negociação contratual com o candidato do concurso, e depois, obvia e compreensivelmente, essa conjuntura tão negativa fez com que a negociação não chegasse a bom termo, com a desistência do consórcio candidato. Acresce agora um novo facto, e partindo do princípio de que a crise pandémica está a terminar, que se traduz nos efeitos sentidos pela guerra na Ucrânia, na economia, nos preços e na construção. Será prudente, e preferível agora, aguardar por mais um período de tempo que os cenários negativos se dissipem no quadro de uma maior estabilidade empresarial, para que a FCCB retome esse seu desígnio maior e obtenha o melhor sucesso nessa operação.

Como é que os efeitos da pandemia se reflectiram na alteração dos hábitos culturais do público?

Foram momentos dramáticos que atra-vessámos, que muito condicionaram (e ainda condicionam) a vida do CCB, mas que todos desejamos superar futuramente. É óbvio que é muito desagradável para qualquer pessoa assistir a um espectáculo com máscara, e mesmo no período pós confinamento sofremos um decréscimo significativo de público nos nossos espectáculos. Por outro lado, tivemos a oportunidade de iniciar a oferta de espectáculos em ‘streaming’, no âmbito do projecto que vamos desenvolvendo, a que chamamos “Cidade Digital”, e essa foi uma aposta positiva, importante, de continuidade. Mas sejamos optimistas, o regresso a uma normalidade que todos desejamos ardentemente, irá certamente fazer aumentar os números de público, e fazer-nos retomar os índices francamente positivos de 2019.

Como classifica a oferta cultural do nosso país relativamente a países estrangeiros? O que Portugal está a fazer de bem e de mal nesta área?

Não comungo de um coro ‘mainstream’ choroso e negativo, relativamente à nossa realidade cultural. A nossa democracia construiu uma geração de artistas de excepção, em todas as áreas, uma geração formada em escolas e universidades que não existiam no país antes da democracia. Temos músicos de excelência, que brilham nas grandes orquestras de todo o mundo, temos grandes actores, encenadores, coreógrafos, cineastas, artistas plásticos. Creio que o essencial agora é, sobretudo, uma questão de organização efectiva do sector, de rigor, de compromisso, e de trabalho em rede, que possa acabar com esse lado tão culturalmente negativo, por vezes dominante, essa tristonha realidade dos “quintalinhos”, das invejas, e dos conflituantes grupos de interesse. O dinheiro será sempre necessário, mas não resolve muito do essencial das coisas.

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