Quinta-feira, Abril 25, 2024

Um Brasil dividido nas urnas e na ideologia

Bruno Rosa, Correspondente PRÉMIO no Brasil

Vitória com gosto de derrota ou derrota com gosto de vitória? As pesquisas indicavam até às vésperas da eleição presidencial do Brasil, no dia 2 de outubro, que Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do país entre 2003 e 2011 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), poderia conquistar a vitória ao cargo mais importante do Brasil já no primeiro turno, com votação acima de 51%. Esses mesmos levantamentos apontavam o atual presidente Jair Bolsonaro (do Partido Liberal – PL) com pouco mais de 30%. Não foi assim. Entre os dois candidatos, uma diferença de “apenas” 6,187 milhões de pessoas nas urnas. Pode parecer muita gente. Não é. No dia 2 de outubro, o total de comparecimento às seções eleitorais chegou a inéditos 123,679 milhões de eleitores.

Na prática, o resultado do primeiro turno da eleição de 2022 no Brasil revela um país que pouco avançou na discussão política desde a última eleição presidencial, em 2018. E segue dividido entre o avanço dos ideais da extrema-direita e do conservadorismo, que assola diversos países da Europa, e as preocupações com questões sociais, com o avanço da fome no Brasil. Afinal, qual Brasil o Brasil quer?

Os sinais são difusos. Se em 2018 a maioria dos brasileiros votou em Jair Bolsonaro para tirar do poder um PT envolto em casos de corrupção; agora essa maior parte da população tenta eleger o PT para tirar de Brasília o próprio Bolsonaro, cuja família é cercada de denúncias de corrupção. Mas será que essa maioria vai priorizar? A agenda social de um governo mais voltado para a esquerda? Ou um governo que reúne conservadores do centro ao de extrema-direta, todos guiados pela chamada “pauta” dos bons costumes e da família tradicional?

No vale-tudo do voto, o governo liberal de Bolsonaro vem usando as mesmas armas do governo estatizante de Lula. Mudou a direção da estatal petrolífera Petrobras e começou a baixar os preços da gasolina e diesel com afinco. Reduções em queda nos preços desde julho. Elevou ainda a ajuda mensal para famílias de baixa renda como forma de obter mais votos. E assim o brasileiro vem se dividindo entre a melhoria (momentânea) na renda e a busca pelos valores da democracia e da liberdade de expressão.

Talvez tenha sido essa indefinição que fez o brasileiro, segundo os institutos de pesquisa, mudar de intenção de voto às vésperas da eleição. Quem iria votar em outros candidatos além do eixo Lula-Bolsonaro, decidiu fazer o já falado “voto útil” para Bolsonaro, evitando, assim, uma vitória de Lula no primeiro turno. Essa polarização continua. As pesquisas que estão sendo feitas no início da corrida do segundo turno seguem no mesmo ritmo.

Mas qual papel da esquerda em um momento em que o brasileiro está cada vez mais empreendendo, trabalhando por conta própria. No dia do empreendedorismo, comemorado no último 5 de outubro, Lula anunciou o que seria um programa de estímulo aos mais de 14 milhões de pequenas e médias empresas no país. Há uma demanda, corroborada pelo mercado financeiro, de que haja cada vez mais um aumento da agenda liberal com a reforma trabalhista. Uma equação complexa para um governo que coloca o Estado como papel importante na condução do desenvolvimento do país. E qual será o papel de um novo governo liderado por Bolsonaro? Como seguir com uma agenda liberal, de mercado, usando artifícios de um governo de esquerda nesse fim de 2022, em meio a uma corrida eleitoral.

A indecisão para escolher o presidente se traduz na eleição dos membros para o Congresso, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. E mais uma vez, sinais díspares. De um lado, em ambas as casas, houve avanço da extrema direita com a eleição de candidatos com discursos conservadores, pastores e defensores do afrouxamento da legislação. Ao mesmo tempo, sinal de esperança, com a eleição de mais mulheres, negros e a chegada das primeiras indígenas e transexuais ao centro da decisão do poder na capital Brasília.

Se Lula ganhar, vai ter dificuldade em governar nos próximos anos. Isso porque vai ter que negociar com um Congresso, que ganhou mais representantes do Bolsonarismo. Ex-ministros do governo atual se elegeram senadores e deputados. Se Bolsonaro sair vitorioso, terá o apoio para aprovar no Congresso futuras emendas na Constituição Federal de 1988 e trazer temas polêmicos para a mesa, como maior afrouxamento do porte de armas, sigilo por 100 anos de assuntos de interesse público e até pedidos de ‘impeachment’ de juízes do Supremo Tribunal Federal (STF).

E até agora, na prática, na corrida para o segundo turno eleitoral, no dia 30 de outubro, os dois candidatos pouco falaram sobre o que pretendem fazer na área econômica ou sequer apresentaram alguma nova proposta ou programa. Não bastasse a grave crise fiscal do país, com forte aumento de gastos, há ainda a guerra na Ucrânia, com a invasão da Rússia. Uma coisa é clara: ambos terão que ir além do antagonismo e oferecer soluções econômicas, já que os problemas estarão longe de serem resolvidos com o fim da eleição.

Assim, enquanto cerca de 33 milhões de pessoas passam fome diariamente no Brasil, em um índice equivalente ao da década de 1990, parte dos brasileiros discute ‘fake news’ sobre religião, deixando em segundo plano os números preocupantes de desmatamento das florestas brasileiras com o avanço das ações da pesca ilegal a exploração de ouro, silenciando vozes de ativistas ambientais, da imprensa profissional e da ciência.

(Texto escrito na língua de origem do autor)

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