Ricardo David Lopes, Consultant
Quando, pouco tempo após ter tomado posse como Presidente de Angola, João Lourenço surgiu nas redes sociais representado, em “memes” bem-humorados, como o “Exonerador Implacável”, na sequência do verdadeiro tsunami de demissões de dirigentes públicos que pôs em marcha logo nas primeiras semanas de governação, nem os mais criativos imaginariam a revolução silenciosa que estava a adivinhar-se no horizonte.
É claro que é fácil, passada que está mais de metade do mandato do general na reserva no Palácio da Cidade Alta, encontrar falhas e erros em aspectos da governação ou nos seus resultados, mudanças por fazer, demissões por assinar, “contas” por acertar. Não é difícil apontar insuficiências e defeitos, nem reparar no muito que poderia também já ter sido feito, nem no imenso que está ainda por fazer, num País onde a pobreza e os problemas ainda estão, infelizmente, em maioria.
É confortável ser “Presidente de bancada” e reparar mais facilmente no que correu mal, nas contradições mais ou menos aparentes, nos erros de ‘casting’, e declarar que, se fossemos nós os treinadores, os árbitros ou os jogadores, tudo seria diferente – para melhor. Melhor e mais longe.
Mas, passados que estão mais de três anos desta Angola (bem) diferente, também é fácil, se quisermos, olhar para trás e tomar nota do que mudou para melhor – e que acabará por dar frutos suculentos no futuro. E os exemplos são muitos e inspiradores. Não tapam o que está mal, nem o que está por tornar bom. Mas dão ânimo, esperança e fôlego, sentimentos que, no arranque de cada ano, funcionam como âncoras do nosso desejo de que, agora, as coisas sejam melhores.
O combate à corrupção e impunidade é uma “marca” que veio para ficar. Deixou muitos de fora? Certamente, mas ninguém pode garantir que, mais à frente, não haja novos resultados. Vai haver – como é próprio que aconteça em todos os países que se comprometem com esta cruzada.
O que é certo é que aconteceram coisas que eram impensáveis até há (muito) poucos anos. Na área económica e de finanças, a lista é quase interminável: a concorrência passou a fazer parte do léxico das empresas e das pessoas. E, não sendo uma meta que se alcança por decreto, as bases estão lançadas e os efeitos vão surgir.
As privatizações, tantas vezes prometidas, mas nunca concretizadas de forma escrutinável, organizada, transparente, estão em curso e, no final, vão produzir um País diferente – mais do que empresas diferentes. Das telecomunicações à agricultura, dos transportes ao turismo, da logística à indústria, da banca aos seguros, da energia às infra-estruturas, nada vai ficar como estava.
Empresas como a ENSA, a TAAG, a Sonangol, a Angola Telecom, entre muitas outras, ou bancos como o BPC ou o BCI, que fazem parte do imaginário da Angola independente, infelizmente quase sempre com nota negativa, estão a ser alvo de verdadeiras revoluções internas e vão sair mais fortes de todas as mudanças (nalguns casos, dolorosas) em curso.
Também na área cambial, uma das mais sensíveis, as mudanças foram muitas e no bom sentido – da liberalização e transparência na sua venda. Num contexto de escassez de divisas, agravado, entretanto, pela pandemia de Covid-19 – que tem batido forte nas economias, Angola naturalmente incluída –, este é um tema-chave.
O sistema financeiro, apesar de muitas dificuldades que permanecem, em parte herdadas de um passado onde a ética estava fora do pensamento, está hoje mais robusto e é menos “mal visto”.
Investir é mais fácil agora, porque a lei com a qual o País quer atrair capital, em especial estrangeiro, foi alterada nesse sentido. A burocracia foi aligeirada. Os tribunais e a Justiça, tão importantes para um bom clima de negócios, estão longe de estar “no ponto”, mas o caminho é incontornável, ainda que longo.
Já não há promiscuidade entre a Sonangol que detém a concessão das reservas petrolíferas do País e que extrai petróleo porque a outra (afinal, a mesma) lhe atribui esse direito. E sabemos agora – temos esse direito e isso é reconhecido – onde está o dinheiro do Fundo Soberano.
Há ainda dezenas ou centenas de empresas a quem o Estado deve dinheiro, mas são muito menos – e a soma muito menor – do que há um ano ou dois.
A dívida do País cresceu, como a de quase todos, mas a factura está a ser negociada, reduzida, e há um esforço contabilizável de canalização de mais verbas para despesas sociais, do que de segurança e defesa.
Há uma imensa e pesada máquina pública, mas há menos ministérios e mais racionalização, e o peso vai baixar. Há mais moralização na forma como se gasta o dinheiro dos contribuintes: quem faz o que não deve, paga por isso, mais tarde ou mais cedo.
Há um esforço de aumento da produção nacional, com instrumentos que pretendem ajudar nesse sentido.
Podemos refutar as políticas do Governo e do Presidente. Ele abriu as portas do Palácio a encontros anuais com jornalistas e criou um Conselho onde ouve e dá a voz a membros da sociedade civil, incluindo alguns que criticam as suas políticas.
Neste começo de ano, escolhi pensar nas coisas boas que têm estado a acontecer em Angola. Não me esqueci das más – eu também sei ser “Presidente de bancada”. Nem decidi aligeirá-
-las. Na verdade, devemos pensar nas coisas más todos os dias, para que não nos esqueçamos – nem deixemos esquecer – que têm de ficar melhores.
Quer apostar que, daqui a um ano, muitas estarão mesmo?