Francisco Velez Roxo, Economista/Gestor, Professor na Universidade Católica Portuguesa e Presidente da Assembleia Municipal de Alter do Chão
O misto de reflexão sobre o que somos, queremos e temos é muitas vezes identificado em psicologia e ciências do comportamento, como “o nosso interior”. Nas linhas que se seguem falara muito “o meu interior”, mas sobre “o meu Interior geográfico”, o Interior em que nasci e vivo intensamente, e sobre o qual muitas vezes reflito tendo como eixo central de visão, um velho tema nacional: “Interior para que te quero?”.
Fazer Portugal de Norte a Sul num eixo que se situa em média acima dos 50kms da costa, é fazer a única estrada que atravessa o país de norte a sul, pelo interior, a EN2, que proporciona o apreciar diferentes paisagens, tradições e muitas reflexões sobre como Portugal é belo, mas também, sentindo os ventos de Espanha, perguntar: “E até à fronteira que mais há?”. Sabendo-se que para o litoral há muito, variado e belo. Fresco e convivial com mar à vista. Partindo das montanhas em Trás-os-Montes, passando pelos socalcos do Douro, fazendo as curvas das Beiras e vogando depois pelas longas planícies e campos de cultivo no Alentejo até chegar ao barrocal algarvio, fazer a viagem na EN2 é dar um olhar por o que é Portugal, antes de entrar no “interior profundo” até à fronteira.
Quando li Torga nos meus tempos de juventude sempre fiquei preso à sua definição comparativa de Trás-os-Montes com o Alentejo onde nasci: “Em Portugal, há duas coisas grandes, pela força e pelo tamanho: Trás-os-Montes e o Alentejo. Trás-os-Montes é o ímpeto, a convulsão; o Alentejo, o fôlego, a extensão do alento”. E, neste quadro de referência, fui sempre aprofundando um maior conhecimento comparativo destas duas regiões integrando também as Beiras (até por ter casado com uma Beirã) e tendo em determinado momento, sobretudo depois de 1974, aderido mais fortemente a uma paixão segmentada pelo Interior. Porque não mais podia conter a revolta perante um abandono e despovoamento notórios. Que se mantêm e nalgumas situações até se aprofundaram.
Tendo sempre o meu Alto Alentejo como “coração e paixão”, nos momentos de saudade e por vezes de crises de desalento na “cabeça e bílis” procuro evitar o não acreditar que algum esquecimento poderá parar. E é assim que vou continuando a viver o “meu Interior” e aderindo das mais variadas formas aos esforços para ajudar a melhorar a situação.
No final do seculo XIX Portugal era um País que “caminhava na vanguarda das aspirações sociais” apesar de ser um dos Países mais pobres que o resto da Europa Ocidental. O interior do País era despovoado e o sul do País era mesmo um caso angustiante de baixa densidade populacional: em 32.000 km2 viviam menos de 600 000 pessoas, num quadro geral em que Portugal tinha o mais lento crescimento populacional da Europa só acima da França. Com o desenrolar do século XX e passadas as duas guerras mundiais, o Alentejo da “campanha do trigo” e da “exploração de mão de obra agrícola” em grandes propriedades agrícolas, mas também agropecuárias, começou a ouvir falar em “regadio, novas unidades industriais para transformação de matérias-primas como os cereais, a cortiça, azeitona e uvas”. E muitas aconteceram. Mas sempre poucas por comparação com o que se passava na vizinha Extremadura Espanhola.
Foi precisa a adesão à União Europeia em 1985 (a então CEE), para que as chamas da esperança e de um novo impulso para o “Meu Interior” ganhassem direito a fortes ecos e, naturalmente dinheiro para investimento e desenvolvimento. Nem sempre bem-sucedidos e aplicados.
Centrando-me no Distrito de Portalegre, “O meu Alentejo Interior” que faz a transição para as Beiras, muito entusiasmo constatei. Muita nova agricultura e turismo nasceu. Mas não muitos jovens se fixaram ou voltaram. Para além de os nascimentos terem regredido e os mais velhos terem partido. Cada vez mais velhos é verdade. Mas com pouca qualidade de vida.
As Autarquias com os seus mil desafios e dificuldades em competências inovadoras, passaram a ser sobretudo “centros” de emprego administrativo, mas, mesmo assim, têm conseguido conservar algum património arquitetónico e cultural. Ao tradicional triangulo turístico: Portalegre, Castelo de Vide, Marvão, juntou-se o quadrado multifacetado Elvas, Campo Maior, Alter do Chao, Ponde de Sor, para dizer “Presente”. Mas ainda timidamente o resultado é visível, por comparação com os outros Alentejos: Central, Baixo e Litoral.
Torga nunca se afastou das raízes do coração agreste de Trás-os-Montes, “léguas e léguas de chão raivoso, eriçado, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve”. Eu, modestamente, mas com coragem intacta, cada vez estou mais próximo de acreditar que “um milagre qualquer” fará do “Meu Alto Alentejo”, do “Meu Alter do Chão” uma galáxia de vilas brancas com ruas empedradas e janelas com grades e sorrisos de matar a sede em que, como Torga genericamente o caraterizou “o vermelho em brasa dos fins de tarde enche de espanto as copas dos sobreiros recortadas na distância.” E as almas dos que acreditam que o Interior será mais Paraíso para os que nele vivem e visitam. Quero eu acreditar.
(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)