Sábado, Abril 27, 2024

Mais Produtividade, menos desgaste

Erik Lassche, CEO da Fullsix Portugal

A pandemia da COVID-19 teve um forte impacto em todas as organizações. Uma das mudanças maiores ocorreu na forma como operamos como empresa e trabalhamos em equipa. De um dia para o outro, trabalhar em casa tornou-se uma realidade. Passámos a fazer parte de uma experiência social numa escala sem precedentes. Na Fullsix, uma agência de experiência ao cliente com mais de 150 funcionários, isso provocou uma verdadeira revolução e lançou novas perspetivas sobre o que significa trabalhar em equipa. E, como seria de esperar, descobrimos que, afinal de contas, a discussão não se centra tanto entre teletrabalho e trabalhar no escritório, mas sim na comunicação.

Permitam-me que partilhe algumas das principais conclusões que tirei pessoalmente desta experiência única. A primeira vai para o simples facto de que estamos em condições de fazê-lo. De um momento para o outro as organizações conseguiram entrar em teletrabalho e continuar a funcionar. A nossa capacidade humana de adaptação é surpreendente. A segunda conclusão vai no sentido de que conseguimos ser produtivos, quiçá até demasiado produtivos. E a terceira é de que é extremamente desgastante. Pelo menos para a maioria de nós.

Embora a pandemia tenha criado circunstâncias únicas, não faltavam provas quanto ao impacto do teletrabalho. Um famoso estudo da Universidade de Stanford levado a cabo durante 2 anos demonstra que o teletrabalho contribui para um forte aumento da produtividade. E a rotatividade de colaboradores diminuiu em 50 %, os mesmos faziam intervalos mais curtos, metiam menos baixa e tiravam menos folgas.

O trabalho tornou-se em geral cada vez mais complexo e cada vez mais colaborativo. Na Fullsix quase todos os nossos projetos são desenvolvidos em equipas multifuncionais. Realçamos normalmente o lado positivo de tudo (como melhores resultados e mais integração), mas isto também tem um lado negativo. Um estudo levado a cabo pela HBR revela que o trabalho em equipa em excesso esgota os funcionários e prejudica a produtividade. Dados recolhidos ao longo de 20 anos revelam que o tempo gasto por gerentes e funcionários em atividades colaborativas aumentou em 50% ou mais.

Esse aumento da colaboração está associado a um aumento exponencial de meios de comunicação. Vivemos num mundo marcado por comunicação quase constante. A ascensão dos telemóveis exacerbou isso ainda mais, obviamente, gerando uma avalanche de comunicação em tempo real na ponta dos dedos. E isso gera problemas sérios.

Em primeiro lugar, gera interrupções constantes, o que não é nada bom no caso de tarefas de elevado valor e que requerem concentração. Cada interrupção tem o seu custo. Gerald M. Weinberg afirma que quando fazemos duas tarefas ao mesmo tempo, 20% do nosso tempo e energia são desperdiçados a mudar de contexto. Com três tarefas, o custo de mudar de contexto sobe para 40%!

Em segundo lugar, valoriza mais o facto de estar ligado do que ser produtivo. Temos uma tendência natural para privilegiar acontecimentos recentes em detrimento de acontecimentos passados. E essa tendência é colocada constantemente à prova num mundo repleto de estímulos, onde há sempre aquela mensagem, e-mail ou alerta que tem de ser respondido. Um estudo levado a cabo pela Yahoo Labs concluiu que o tempo de resposta médio a um e-mail era de apenas 2 minutos. Privilegiamos claramente o urgente em detrimento do importante.

Em terceiro e último lugar, tudo isto provoca desgaste, muito desgaste. E, sobretudo durante a pandemia, os colaboradores acham que devem estar sempre disponíveis. E temos também uma tendência natural para estarmos ligados. É literalmente a forma como o nosso cérebro está ligado. No seu livro “Social: Why Our Brains Are Wired to Connect”, Matthew Lieberman argumenta que as redes sociais codificadas nos nossos neurónios estão ligadas aos nossos sistemas de dor, gerando os intensos sentimentos de desgosto que sentimos quando alguém próximo morre, ou esse profundo sentimento de desolação que sentimos quando estamos isolados das outras pessoas durante muito tempo.

As mudanças drásticas que a pandemia nos obrigou a fazer serviram como acelerador de uma revolução mais profunda e permanente na Fullsix. Decidimos tornar-nos oficialmente uma organização híbrida, o que significa que os funcionários podem alternar entre trabalhar em casa ou no escritório. Sempre que quiserem, onde quiserem. Para que isso funcionasse, tivemos que operar algumas mudanças radicais. A mais óbvia é mudar para um novo escritório físico. Não só esse novo escritório é mais pequeno, com 3 vezes menos espaço do que o anterior, como é diferente, com áreas específicas para trabalho em grupo, convívio e trabalho individual.

A mudança menos óbvia e mais difícil consiste em avaliar os processos e procedimentos internos atuais e adaptá-los a esta nova realidade. Descobrimos na Fullsix que o principal problema não é tanto onde se trabalha, mas como se comunica dentro de uma organização. Isto é crucial para que uma equipa de gestão possa criar regras claras de envolvimento em toda a organização no que diz respeito à comunicação. Uma ferramenta útil foi a implementação de uma Pirâmide de Comunicação na Fullsix, parcialmente inspirada em empresas como a Doist, uma empresa de ‘software’ de produtividade.

Um dos ensinamentos retirados dessa Pirâmide da Comunicação é de que os tipos de comunicação não são todos iguais. E devemos estabelecer uma comparação entre comunicação assíncrona e síncrona. A comunicação assíncrona ocorre quando enviamos uma mensagem sem esperar uma resposta imediata. A comunicação síncrona, por seu lado, ocorre quando enviamos uma mensagem e o destinatário processa as informações e responde imediatamente. A comunicação pessoal, tal como as reuniões, são exemplos de comunicação puramente síncrona. Diz algo, recebo a informação mal a emite e respondo à informação imediatamente.

A base da nossa Pirâmide consiste numa ferramenta colaborativa que permite um trabalho de equipa fácil e assíncrono (optámos pelo Microsoft Teams, mas existem muitas outras opções). O e-mail é usado sobretudo para a comunicação externa. Uma segunda etapa são as anotações no contexto, principalmente em documentos em contextos de trabalho conjunto usando, por exemplo, o Google Docs ou o MS Office 365.

Só depois desses dois níveis “básicos” entramos na comunicação síncrona, como as videoconferências ou as reuniões físicas. Nos 2 níveis superiores da pirâmide temos as reuniões mensais de equipa, frente a frente com o superior direto e uma reunião da empresa a cada dois meses. Isto não quer dizer que esses encontros presenciais sejam menos importantes, pelo contrário. A comunicação síncrona é fundamental para funcionarmos em equipa e, por isso, devemos focar-nos na qualidade e não na quantidade. Mas, como afirmei, as ferramentas de comunicação modernas criaram uma versão “com esteroides” de tudo isso. É a comunicação assíncrona tem aqui um papel a cumprir. Encontrar o equilíbrio certo entre esses dois tipos de comunicação é crucial para ser mais produtivo e reduzir o desgaste.

Em minha opinião, os líderes têm um papel crucial a desempenhar na definição desse equilíbrio. A The New Yorker descreveu muto bem isso recentemente no seu artigo “O e-mail está tornar-nos infelizes”. Temos de contrariar alguns dos nossos impulsos humanos de modo a gerarmos melhores resultados e, o que é mais importante, proteger as nossas equipas desse ambiente estranho e, de certo modo, artificial que criámos. Ao fazê-lo, nós, como líderes, não só estamos a fazer o que e lógico, como estamos também fazemos o que é certo como humanos.

(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)

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