Filipe Alves, Director do Jornal Económico
Portugal é um dos países europeus onde se trabalha mais horas, mas está entre os menos produtivos. Segundo o Eurostat, os portugueses trabalham em média 39,5 horas por semana, mas o País tem um dos piores índices de produtividade da Europa, ficando à frente apenas de países como a Bulgária, a Roménia ou a Croácia, entre outros. Em contrapartida, os países onde se trabalha menos horas, como a Irlanda ou a Holanda, são os mais produtivos. O caso da Irlanda, que até há poucas décadas era um país do nosso “campeonato”, é paradigmático: os irlandeses trabalham em média 36,5 horas por semana (menos três que em Portugal), mas a sua produtividade é quase três vezes superior à nossa.
O que explica este fosso entre a realidade portuguesa e a de países como a Irlanda? A tecnologia? A automatização crescente em várias atividades? Os níveis de qualificações das respetivas populações? A ética de trabalho, a cultura ou a religião*?
Diria que a grande diferença é a forma como as empresas estão organizadas. Em Portugal também temos empresas que gerem bem o seu principal ativo, que são as pessoas. Mas a maioria continua a não o fazer. E isto deve-se, a meu ver, à falta de preparação das chefias, à proliferação de maus líderes nas organizações e a certos fenómenos culturais, como o nepotismo e a “cunha”, que existem em todos os países mas que no nosso adquirem proporções mais visíveis, em algumas empresas e sectores de atividade.
Já Camões concluía, há mais de 400 anos, que um fraco rei faz fraca a forte gente. Isto continua a ser verdade em muitas organizações no nosso País, quer na administração pública, quer nas empresas. E não haverá Plano de Recuperação e Resiliência nem fundos europeus que nos livrem da sina reservada a quem não resolver estes problemas.
Em primeiro lugar, precisamos de incutir e fomentar uma cultura de liderança saudável nas nossas empresas. E este conceito traduz-se numa ideia muito simples: o líder é aquele que serve, não o que se serve. O bom líder lidera pelo exemplo, não exige aos seus subordinados aquilo que ele próprio não cumpre e rege-se por princípios de honestidade, seriedade, transparência e justiça.Tal é essencial para que os elementos das equipas se identifiquem com os projetos, vistam a camisola e dêem o melhor de si. O bom líder eleva as pessoas e faz com que elas próprias descubram em si qualidades e capacidades que desconheciam ter. Isto é válido em todas as organizações humanas, quer se trate de empresas, equipas de futebol ou unidades militares. Além disso, a digitalização crescente a que temos assistido não tornará irrelevante o capital humano. Pelo contrário, para poderem tirar partido do incrível potencial da digitalização, as empresas precisam de ter bons colaboradores.
Quem desconhece ou desvaloriza estes princípios básicos de boa liderança – para mais numa economia assente no conhecimento e onde o talento tem uma mobilidade elevada e muitas vezes transnacional – já está morto embora possa não o saber. A má liderança destrói as organizações, como demonstram vários exemplos da nossa praça, nos últimos anos.
Em segundo lugar, precisamos de melhor organização nas nossas empresas. Alguma coisa está mal se um funcionário não consegue cumprir as tarefas que lhe são pedidas durante o seu período normal de trabalho (salvo situações excecionais ou imprevistos que ocorrem em todas as organizações). Das duas uma, ou é falha do funcionário, que não tem capacidade para fazer o seu trabalho em tempo útil, perdendo tempo com outras coisas; ou é falha da empresa, que organizou mal a distribuição de tarefas e está a exigir demasiado aos seus colaboradores.
Empresas bem organizadas são mais eficientes e produtivas. Empresas onde não se perde tempo com reuniões desnecessárias e distrações fúteis são mais eficientes. Fazer alguém perder tempo é das piores coisas que se lhe pode fazer, porque se está a privar essa pessoa de utilizar esse recurso escasso de forma mais útil ou prazeirosa, mas em Portugal poucos se recordam disso. Cada meia hora que se perde numa reunião desnecessária é dinheiro lançado à rua e menos tempo para estarmos com a nossa família e amigos. Pensemos nisso.
Por outro lado, colaboradores com vidas equilibradas têm mais saúde física e mental e são como o vinho do Porto, criando valor à medida que ganham experiência. Reter esses bons colaboradores é fundamental para o sucesso das organizações e o salário é apenas um entre vários instrumentos para o fazer. Numa altura em que se perspetiva no horizonte um regresso à vida “normal”, seria bom refletirmos sobre as lições que todos aprendemos durante este ano de teletrabalho. As boas e as más. E evoluir com base nessa aprendizagem, ao invés de voltarmos aos métodos do antigamente. Temos a oportunidade de recomeçar do zero, a esse nível.
Curiosamente, poucas pessoas em Portugal se preocupam com este problema, a começar pela maioria dos decisores políticos e empresariais. Porém, este é um problema grave que tem implicações não só para a produtividade das organizações e para as pessoas que nelas trabalham, como para a própria sustentabilidade do nosso País, acentuando o declínio demográfico e agravando os custos do Serviço Nacional de Saúde. Talvez seja chegada a hora de as empresas portuguesas que são socialmente responsáveis começarem a comunicar de forma mais assertiva as boas práticas a este nível, liderando também elas pelo exemplo e contribuindo para uma mudança de mentalidades que é crucial para o futuro do País.
(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)
(*) – Sendo a Irlanda um país maioritariamente católico, tal como Portugal, a teoria da ética protestante de Weber leva o merecido golpe de misericórdia.