Pedro Comissário, Representante Permanente de Moçambique junto das Nações Unidas, em Nova Iorque
O mundo acaba de celebrar a passagem do ano 2020. Trata-se dum ano que vai entrar nos anais da história como um ano especial. Trouxe enorme dor e sofrimento a todos os habitantes do planeta, pela prevalência da pandemia da Covid-19. Muitos ter-se-ão lembrado do celebre poeta inglês, John Donne, que proclamava, no seu belo poema, que “nenhum homem é uma ilha”. Já no século XVII, ele cantava, com beleza mística, a dimensão global da dor e do sofrimento e o valor sagrado da solidariedade e unicidade do género humano.
Moçambique também não é uma ilha. É, no dizer do poeta, uma parte do todo. À semelhança de muitos, o nosso país vive a sua quota desta tragédia de dimensão planetária. Está entre os países da linha da frente no combate e na mitigação dos efeitos nefastos deste mal terrível que assola o seu povo e o mundo, no seu todo.
Mas esta tragédia, por mais gravosa e dilacerante que seja, não faz dos moçambicanos um povo sem história.
Tratando dos nossos doentes, sarando as nossas feridas e sepultando os nossos mortos, celebrámos, com solenidade, os 45 anos da nossa independência. E, mais, marcamos, com justificado orgulho, os 100 anos do nascimento do grande ícone do nacionalismo africano, o fundador da nação moçambicana e o arquitecto da unidade nacional, o Professor Doutor Eduardo Chivambo Mondlane.
Colocando os eventos históricos em devida perpectiva, convém recordar que Moçambique tornou-se independente em Junho de 1975, quando as Nações Unidas completavam justamente 30 anos de existência. Assim, o nosso país marcou o seu 45º aniversário sob o signo do 75º aniversário das Nações Unidas.
E aqui importa realçar que o Prof. Dr. Eduardo Chivambo Mondlane foi também um alto funcionário das Nações Unidas. Abdicou, voluntariamente, da sua carreira promissora para unir os moçambicanos, do Rovuma ao Maputo, e dirigir a luta de libertação nacional. Foi um líder visionário, um combatente destemido e um diplomata de alto calibre.
Há, pois, um vínculo histórico forte entre Moçambique e as Nações Unidas, um vínculo que vai para além do véu da nossa pertença a esta organização, como estado independente e soberano. Trata-se do vínculo de valores e ideais que presidiram à criação da Organização universal e que também estiveram na base da nossa luta de libertação e da construção do estado moçambicano que é, hoje, um membro prestigiado das Nações Unidas.
A este propósito, cumpre assinalar que, em Dezembro de 2020, ao receber as cartas credenciais do novo Embaixador e Representante Permanente de Moçambique junto das Nações Unidas, o Secretário Geral das Nações, Sua Excelência António Guterres, disse, em alto e bom som, que Moçambique era um pilar do multilateralismo, em África e no Mundo. São palavras amáveis, mas justas e que calaram fundo no coração dos moçambicanos.
Ser pilar do multilateralismo significa, na nossa firme convicção, aderir, sem reservas, aos princípios e objectivos inscritos na Carta das Nações Unidas. Eles incluem, designadamente, respeitar o sacrossanto primado de manutenção da paz e segurança internacionais, desenvolver as relações de amizade com as outras nações, na base do respeito pelo princípio de igualdade de direitos e autodeterminação dos povos e promover activamente a cooperação internacional.
Significa, em última análise, reconhecer que as Nações Unidas são o centro para a promoção e materialização desses objectivos. E acreditamos que a centralidade das Nações Unidas nas relações internacionais é, hoje, certamente, mais relevante do que há 75 anos. Com a globalização, os desafios globais multiplicaram-se. A expansão dos membros das Nações Unidas, de 51 em 1945 para 193 no presente, com a admissão do Sudão do Sul, em 2011, traduz, justamente, essa sua importância vital e universal.
A Carta das Nações Unidas reconhece que a Organização é um fórum em que cada um dos países membros, pequeno ou grande, é convocado a interagir e a negociar com outros estados aí presentes sobre uma miríade de questões que afectam o interesse das nações, de forma individual, regional ou global. E este é um papel de que Moçambique não pode abdicar.
No período da nossa luta de libertação nacional, as Nações Unidas foram um fórum privilegiado de afirmação do nosso direito à auto-determinação e independência. Eduardo Mondlane, Marcelino dos Santos e outros dirigentes nacionalistas moçambicanos aí levantaram a sua voz no combate contra o colonialismo e em defesa da causa da libertação do nosso povo.
Após a independência, a prioridade fundamental foi a afirmação de Moçambique, no concerto das nações, como estado livre e soberano, nos termos da nossa Constituição e da própria Carta das Nações Unidas. Ao mesmo tempo, Moçambique participava activamente, com outros países em desenvolvimento, na luta por uma nova ordem política internacional e pelo direito universal dos povos à auto-determinação e ao desenvolvimento.
Assim, consideramos que a presença de Moçambique nas Nações Unidas, hoje, deve consubstanciar-se nas prioridades fundamentais que sempre nortearam a nossa diplomacia e a nossa política externa, nomeadamente:
– A consolidação da paz no país e o combate cerrado contra o terrorismo. Este é, fundamentalmente, produto de agressão externa contra o exemplo de espaço de liberdade, de democracia e de promessa de prosperidade que Moçambique representa em Africa;
– A promoção da candidatura de Moçambique como membro não-permanente do Conselho de Segurança para o biénio 2023-24;
– A mobilização das Nações Unidas e da Comunidade Internacional no seu todo para a assistência humanitária no país;
– Empenho acrescido na materialização da Agenda 2030 que contém os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, particularmente no domínio da resiliência e mitigação contra as mudanças climáticas;
– O alargamento, cada vez maior, do círculo de amigos de Moçambique, tornando, assim, mais amplamente conhecida a imagem do seu povo e do seu Governo como amantes e obreiros históricos da paz, interna, regional e internacional.
Para além das questões de paz e segurança, a humanidade enfrenta problemas de dimensão planetária. Trata-se de problemas globais que requerem soluções globais, tais como: a luta pelo desenvolvimento, as mudanças climáticas, o terrorismo, a proliferação de armas nucleares, as pandemias, as crises financeiras, só para citar alguns.
Na sua intervenção, por ocasião do debate geral perante a 75a sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Setembro de 2020, Sua Excelência Filipe Jacinto Nyusi, Presidente da República de Moçambique, reafirmou o interesse muito especial que a política externa moçambicana tem e sempre teve pelo trabalho das Nações Unidas e pelo multilateralismo em geral. Isso, mesmo quando conscientes de que temos, como um povo, a responsabilidade primária pela defesa da nossa independência, soberania e integridade territorial do nosso estado.
Neste contexto, a decisão do nosso Governo de se candidatar a membro não-permanente do Conselho de Segurança para o biénio 2023-2024, reflecte justamente esta importância fundamental que Moçambique atribui aos princípios e objectivos consagrados na Carta das Nações Unidas.