Maria Manuel Leitão Marques, Deputada ao Parlamento Europeu
Estratégia é uma palavra grega, que significava a arte de fazer a guerra. Hoje designa os planos e ações necessários para alcançar um determinado objetivo ou resultado em qualquer atividade (política, empresarial, etc.).
Em Portugal, sempre precisámos de estratégia para várias políticas públicas, mas quando olhamos para a nossa história, foram mais as vezes em que a ela esteve ausente do que aquelas em que contámos com a sua companhia. A palavra é frequentemente abusada no discurso político e a seguir olvidada nas ações.
Mesmo quando uma estratégia existe desenhada no papel, parece que a vontade de a ter se esgota nesse momento. No caminho, são frequentes os esquecimentos suscitados pela força das circunstâncias, pela velocidade com que é preciso executar fundos europeus, pelas mudanças de governo e tudo mais o que poderia aqui exemplificar, se não fosse evidente para tantos.
Contudo, não estamos condenados. Houve casos bem-sucedidos; um deles foi sem dúvida o da ciência e, mais recentemente, o das vacinas. Será que podemos esperar o mesmo dos fundos recuperação e resiliência, a que se soma o novo quadro de fundos europeus?
1. A estratégia nacional da ciência teve início com uma boa escolha do seu protagonista, que se repetiu uma e duas vezes, provando que as pessoas é que são mesmo insubstituíveis. José Mariano Gago desenhou a sua estratégia para a política científica ainda como presidente da JNICT (agora Fundação para Ciência e Tecnologia) e executou-a como ministro de vários governos socialistas, com curtas interrupções. Eu era investigadora na altura e testemunhei como passámos de fazer ciência por acaso para uma comunidade científica organizada e devidamente avaliada.
Apesar da partida inesperada do principal protagonista, condições políticas favoráveis fizeram com que a estratégia prosseguisse, como mostram os resultados obtidos nos últimos 5 anos. A balança de pagamentos tecnológica é positiva e cresce sistematicamente. A taxa de graduados com ensino superior na população atingiu este ano 45,5%, para o que muito contribuiu a valorização do ensino politécnico. O número de investigadores na população ativa cresce para um máximo também histórico de cerca de 10,2 investigadores por mil ativos em 2020, 41% dos quais nas empresas. A despesa total em I&D atingiu um novo máximo em 2020, crescendo mais de 43% desde 2015. E há outros programas em curso que complementam e reforçam a estratégia da ciência, como o do espaço e o das competências digitais, apenas para dar dois bons exemplos.
Visto de Bruxelas, esta é sem dúvida aquela área onde tudo bate certo com os melhores objetivos traçados na União. A “guerra” não está ganha, mas foram muitas as batalhas já vencidas.
2. O segundo caso, muito mediático, mas bastante mais simples, foi o das vacinas. Uma vez mais com objetivos claros, organização, comando e controlo, e interiorização do que havia a fazer por todos que tinham de executar o plano de vacinação, Portugal conseguiu situar-se entre os melhores no conjunto dos países europeus na execução desta estratégia e nos resultados obtidos.
3. Temos agora um novo desafio estratégico para que a execução do PRR e do novo quadro de fundos europeus não seja uma manta de retalhos, incapaz de nos proteger de crises no futuro e de nos preparar para enfrentar as transições digital e climática, as quais vão exigir muitas mudanças na economia, na administração pública, na mobilidade, nas profissões e sobretudo na vida quotidiana de todos nós.
Para que isso aconteça, uma vez mais, não bastará ter uma boa estratégia escrita por uma mente iluminada. É preciso que ela seja coordenada centralmente, percebida e apropriada por muitos decisores, de modo a que o caminho seja percorrido sem desvios, exceto os ajustes necessários a um mundo que está a mudar a velocidade estonteante.
Vejo que isso mesmo é o que está a ser organizado, mas, conhecendo o terreno onde a ação vai decorrer, confesso-me ainda receosa.
Temo que o desafio das competências e a aposta no conhecimento, que devem ser prioritários, não sejam levados a sério só porque os seus resultados não são visíveis a curto prazo.
Temo que sejamos desviados pela tentação do betão, que mostra obra e tem sido a principal zona de conforto na execução de fundos europeus. Haverá investimentos deste tipo que são indispensáveis, incluindo na habitação, mas outros seguramente não, em especial quando abandonam a recuperação do edificado a favor da obra nova.
Tenho medo do “gato por lebre” na tecnologia para a transição digital, em especial no setor público. É fácil cair na tentação de encomendar mais um portal para substituir o anterior sem que ele traga grande valor acrescentado. Fazer diferente, inovar, mexe muito com as pessoas e as organizações, que em geral resistem a qualquer mudança, e exige lideranças competentes, persistentes e pacientes.
Temo a falta de continuidade na condução desta estratégia. Se ela não for assumida por quem toma as decisões, se não houver um comando corajoso e deixarmos cada um a tratar da sua quinta, do seu concelho, da sua área de governo, vai ser uma oportunidade apenas parcialmente aproveitada.
Para além do normal entusiasmo com os recursos tão dificilmente conquistados, precisamos de mais inquietação e desassossego. É a eles que temos de ir buscar a energia para executar esta estratégia e assim ganhar a luta pela nossa relevância como país na família europeia e global.
(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)