Domingo, Maio 5, 2024

As Misericórdias e os Direitos Humanos

Manuel Lemos
Manuel LemosPresidente da União das Misericórdias Portuguesas

Abordar o tema da relação entre as Misericórdias e os Direitos Humanos é algo deveras interessante seja qual for o plano, e podem ser vários, em que se pretenda fazer essa abordagem.

Escolhi por evidentes razões de ordem de economia de espaço fazê-lo em dois planos.

O plano mais conceptual, logo mais teórico, e que, a meu ver, se prende com o próprio ideal da misericórdia e o plano mais pragmático e concreto, que se traduz na atividade a que as obras de Misericórdia conduzem.

Assim, no que respeita ao primeiro plano, sempre acentuarei que, quando se procura definir o conceito e expressões da natureza comum das Misericórdias, sobrepõe-se a toda e qualquer outra, a definição de Santo Agostinho: “Se o coração do teu irmão está em sofrimento e o teu sofre com ele, isso é misericórdia”.

Foi esta visão radiante do que é a misericórdia, que efetivamente deu nascimento e sentido de existir e operar àquelas instituições, que o povo chamou de Santas Casas, as quais, muito para além das suas variadas expressões jurídicas, sociais e religiosas, configuram a mais sublime forma de organização da Fraternidade, motor e cerne da sua ímpar natureza. As Misericórdias são, de facto e por natureza, instituições de “misericórdia por fraternidade”, aquela Fraternidade que leva “homens bons” a unir-se e tratar-se como “irmãos” (recordo que a palavra inglesa para “Fraternidade” é nada mais nada menos do que “Brotherhood”). E daqui decorre que as Santas Casas não nasceram para tratar dos “pobrezinhos, coitadinhos”, nem para “caridadezinhas” alegadamente virtuosas, mas para permitir e promover que os irmãos caídos em necessidade possam exercer o seu “direito fundamental à dignidade e à misericórdia.”

Ora, o “direito à misericórdia”, ou seja, o direito a ser tratado como irmão, com coração e em fraterna solidariedade, é inequivocamente um direito humano fundamental e, por isso, inalienável e imprescritível. Cabe aqui chamar à colação o Papa Francisco, quando, no Ano Jubilar da Misericórdia, se permitiu acrescentar uma décima quinta Obra de Misericórdia, precisamente a “promoção do bem comum” que a todos compete em nome da solidariedade, da coesão, da inclusão, numa palavra, da fraternidade entre os homens.

Mas se o “direito à misericórdia” é, como vimos, um direito humano fundamental, é no exercício desse direito consubstanciado nas 14/15 Obras de Misericórdia que estas Instituições encontram a sua expressão plena e dão testemunho do tal ideal de fraternidade, da promoção da dignidade e da cidadania, que também os direitos humanos, em última análise, visam proteger.

Assim, a promoção de atividades na área social (da infância e juventude à proteção do envelhecimento, passando pela deficiência em todas as sua vertentes), na área da saúde  (cuidados de saúde primários, agudos e continuados), na área cultural (salvaguarda do património) traduzem a expressão do exercício da proteção dos direitos humanos de que todos falam, mas que, na maior parte dos casos, se perde no pântano das palavras e da retórica política.

A este respeito, e se me é permitido destacar uma questão concreta, saliento a do envelhecimento, seguramente o mais complexo problema, com que os europeus se debatem e que atravessa transversalmente as áreas da saúde e da segurança social, constituindo por certo, a maior preocupação para quem sustenta que os direitos humanos são a melhor expressão de um conceito moderno de civilização e cidadania. Ora, o aumento da esperança de vida, que representa obviamente um sucesso civilizacional, coloca paralelamente novos problemas resultantes da maior fragilidade dos idosos, do aumento das doenças crónicas ou das novas patologias como as demências.  Tudo acompanhado das mudanças sociais que vão desde o emprego das mulheres à desestruturação das famílias e à progressiva falência dos serviços nacionais de saúde.

E neste quadro, em que é patente que o Estado por mais declarações pias dos políticos, não foi, não é e não será capaz da agilização necessária para cuidar destes cidadãos, cabe em Portugal às Misericórdias em primeiro lugar (e em muitos casos mesmo em único lugar!) a defesa dos direitos humanos em nome da liberdade dos direitos e garantias que a Constituição prescreve.

O que tudo visto, recoloca a capacidade de organização das associações livres das comunidades que as Misericórdias são no seu plano original e virtuoso.

Como diria Pascal: “Perdoem-me ter-vos tomado tanto tempo, mas não tive tempo para menos!”

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