Sábado, Maio 11, 2024

A Sustentabilidade é um novo mantra?

Pedro Norton de Matos, Fundador do Green Festival

O tema da Sustentabilidade entrou finalmente no ‘mainstream’ e deixa de ser um tema marginal reservado aos amantes de “borboletas e passarinhos”…

No tempo que esta revista de referência tem (muitos parabéns!) muito se evoluiu no aprofundamento desta temática, embora exista ainda um grande ‘deficit’ de literacia neste domínio.

Os “novos-cristãos” da sustentabilidade são bem-vindos e oxalá continuem a crescer, desde que não mantenham as práticas das anteriores crenças, quando estão fora do escrutínio público.

A aceleração das alterações climáticas, o flagelo do plástico de uma só utilização e, mais recentemente, a crise sanitária global, entre outros factores, ajudaram a colocar o tema na linha da frente e aceleraram o sentido de urgência de mudança de rumo.

Persistem ainda dificuldades em definir um conceito que é algo difuso e difícil de comunicar, mas vai-se conciliando a ideia que o termo tem como referência os três pilares: Ambiental, Social e Económico, bem como a responsabilidade e compromisso intergeracionais, relacionada com a herança que recebemos e o legado que deixamos. Os factores prazo e solidariedade entram claramente nesta equação.

No conceito de sustentabilidade é realçada a interdependência entre os três pilares e é associado um modelo de desenvolvimento (eu prefiro o termo prosperidade ) que urge implementar transversalmente, substituído o vigente.

Com efeito, o modelo adoptado no mundo ocidental, sobretudo a partir da década de 50 do século XX, no pós Segunda Guerra Mundial, tem-se baseado numa economia linear “Take-Make-Waste” levando a profundas assimetrias em cada um dos pilares e a significativos desperdícios de meios e recursos. É inegável também constatar e justo realçar, que no mesmo período de tempo foram enormes os progressos em diferentes domínios, como é o caso da saúde, educação e ciência, entre outros.

Contudo, persiste o tema da ineficiência do modelo e o consequente grande desperdício gerado, que perniciosamente foi entrando nos hábitos e na cultura do “desenvolvimento”.

Em Portugal , desperdiçamos água potável (média de 1/3 nas cidades), alimentos (da sementeira ao descarte) e energia . Também o potencial humano nas organizações e na cidadania está muito subaproveitado, com reflexo directo em muitos indicadores preocupantes. Há 20 anos que temos uma economia estagnada, subsídio dependente e com baixos níveis de produtividade. Vamos descendo paulatinamente no ‘ranking’ dos países europeus.

O lado positivo é que temos um enorme potencial de melhoria e a oportunidade singular de mudar de estratégia e táctica!

Com a consolidação das práticas de sustentabilidade, emerge o modelo da economia circular e regenerativa. Por oposição à economia linear, a economia circular inspira-se na natureza em que segundo Lavoisier “Nada se perde e tudo se transforma”, conceito que aplicado ao modelo de prosperidade, significa o objectivo do zero desperdício. Utopia? Diria que não, até porque os nossos avós e bisavós, antes da sociedade do hiperconsumo, tinham esses comportamentos integrados no seu quotidiano. Agora, por maioria de razão, temos a obrigação da fazer essa transição, pois temos mais informação, mais conhecimento científico e melhor tecnologia .No fundo temos tudo o que é necessário para compatibilizar progresso com racionalidade e demonstrar que somos de facto o animal racional mais inteligente do planeta. Aliás, não basta auto proclamar-nos mais inteligentes, demonstrando uma certa arrogância e desprezo pela natureza que é um laboratório vivo com cerca de 4 mil milhões de anos . É altura de, humildemente, deixar a visão antropocêntrica e aprender com as leis e ritmos da natureza , incorporando no nosso modelo societário os seus “tempos” e sabedoria. A bio-mimética é um excelente referencial e deverá ser aprofundada.

O planeta está a “rebentar pelas costuras”, pois os seus recursos finitos estão exauridos e sujeitos a grande pressão, nomeadamente pela crescente demografia mundial , com a previsão de passarmos de 7 para 10 mil milhões de pessoas em 2050. Acresce o ‘stock’ de lixo marinho (previsão de aumentar 4 vezes de 2016/2040) e a concentração de gases de efeito de estufa na atmosfera, pois o CO2 e outros gases permanecem milhares de anos…destruindo eco-sistemas e biodiversidade, fazendo perigar a vida no planeta.

A manutenção do ‘business as usual’, mesmo que optimizada, é manifestamente uma não solução. As teses negacionistas, sempre enquadradas num espírito egoísta e de curto prazo na defesa do ‘status quo’, sucumbem aos factos científicos que são esmagadores. A correlação positiva entre indicadores sócio económicos e degradação do planeta, sobretudo a partir da grande aceleração dos anos 50 do século passado, é de tal modo evidente que não nos resta alternativa senão colocar a nossa “massa cinzenta” ao serviço deste grande desafio civilizacional. Urgem mudanças radicais.

A esperança reside na investigação cientifica e na aplicação de novas tecnologias ao serviço da sustentabilidade. Reside também na educação das novas gerações (ou são elas que educam os mais velhos?) que ao repetirem comportamentos saudáveis, interiorizam hábitos que reforçam os valores da sustentabilidade e os perpetuam.

As novas gerações estão a revolucionar muitas das formas de consumo e usufruto de bens e serviços , obrigando a um redesenho da oferta. Boas noticias.

Outro dos factores que permite ter algum optimismo, é a constatação que o pilar económico tem vindo a colorir-se de verde e azul, ou seja, a Economia verde e azul são já realidade, e os mecanismos de financiar a transição para a descarbonização e para a economia circular estão em curso . “Green and Blue Bonds” já fazem parte do novo léxico e alguns grandes fundos de investimento adoptam critérios rigorosos que confirmam tendência de um novo rumo. Como dizia um assessor de Clinton, tudo passa pela economia e a frase “Its the Economy, stupid” celebrizou-s e…

Com a criação de postos de trabalho e com o valor transferido para a sociedade, poderá impor-se um novo modelo de prosperidade que integre o respeito pela Mãe Natureza e seus limites.

É neste contexto que o tão propalado “New Green Digital Deal”, constitui uma grande oportunidade desta década. Saberemos aproveitar?

Na dimensão das empresas e muito por pressão de novas gerações de consumidores e cidadãos em geral, a filosofia do “triple bottom line” vai-se consolidando. Trata-se de uma tendência imparável e as empresas jogam a sua reputação e sucesso a prazo, no triângulo interdependente: Economia, Responsabilidade Social e Pegada Ecológica. O “bottom line” económico-financeiro é uma condição necessária, mas deixa de ser suficiente para garantir o êxito a prazo. Substituiremos o tradicional relatório e contas das empresas, por um relatório global que integre as contas e os impactos social e ambiental da actividade.

As empresas têm uma grande responsabilidade e capital importância na transição para o modelo circular e regenerativo, pois podem multiplicar na sua cadeia de valor os efeitos benéficos. Necessitamos sim é de mais líderes que sejam inspiradores e verdadeiros “agentes de mudança”!

A dinâmica da mudança é alimentada nos dois sentidos. Dos consumidores e cidadãos para as empresas/instituições/marcas e no sentido inverso das empresas líderes e inovadoras para o mercado.

Neste movimento circular é importante que os consumidores e cidadãos se consciencializem do poder do seu voto, seja nas urnas ou nas decisões de compra de um produto ou serviço. Cada uma dessas opções tem um enorme impacto. As empresas/marcas com os seus sofisticados meios digitais, percebem as tendências reveladas pelo “big data”, algoritmos e inteligência artificial, e percebem a mensagem. O que é preciso é enviar sinais claros…no mercado e na política.

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