Nuno Azevedo Neves, DLA Piper ABBC Country Managing Partner
Muito se fala em Portugal de “justiça”, ou antes da sua falta ou das suas “incongruências”. Mas muito pouco se fala da “eficiência da justiça”, do que representa a falta de eficiência, e do papel essencial da eficiência da justiça no crescimento económico, e como barómetro essencial na avaliação do nível de maturidade do sistema democrático.
A justiça é um dos pilares de qualquer democracia. Mas continua a ser vista pelos políticos e pelos operadores da justiça como uma conquista abstrata, como um local de deleite na eterna discussão da esterilidade dos conceitos. Ou como diria o outro, na certeira jocosidade mais mundana … “falam, falam, falam, mas não os vejo a fazer nada”.
Portugal tem sido muito tímido na promoção (e menos ainda na concretização) das necessárias grandes reformas estruturais das instituições, que são absolutamente essenciais para incrementar a nossa produtividade, para promover o nosso crescimento, e para aumentar a nossa convergência com os países mais desenvolvidos da União Europeia.
Em qualquer sistema democrático maduro o sistema judicial é um pilar essencial do crescimento económico. E uma das áreas onde temos sido particularmente tímidos nas necessárias reformas estruturais tem sido na do sistema judicial.
Nada acontece por acaso na vida, e não podemos ficar eternamente à espera que milagres resolvam o que exclusivamente de nós depende. Seja no futebol, na economia ou na justiça. Se não tivermos um rumo, um caminho definido, uma visão clara para o sistema de justiça, se não forem estabelecidos objetivos, se não elaborarmos e executarmos uma estratégia objetiva e detalhada, com objetivos quantificáveis, e com uma subsequente análise séria e objetiva de resultados, vamos continuar a aguardar pelo milagre, e a lamuriar-nos pela não verificação do milagre salvador.
Existem muitos estudos que demonstram o impacto direto da eficiência da justiça em diversos elementos-chave da economia, como seja o investimento direto externo, a dimensão das empresas, a concessão de crédito, a inovação.
Surgem agora também alguns estudos que evidenciam que a eficiência do sistema judicial tem um papel essencial no crescimento económico. Ou posto de uma forma mais adequada à nossa realidade, que as ineficiências do sistema judicial constituem uma inequívoca limitação ao nosso crescimento económico.
Um sistema judicial pouco eficiente limita a necessária confiança na proteção da propriedade privada, limita a necessária proteção dos investidores e de quem financia a economia e a permite crescer, limita a necessária condenação de quem não cumpre a lei nem os contratos que assinou, limita o necessário suporte ao crescimento das empresas e ao cumprimento por estas das suas obrigações, limita o acesso ao direito e a confiança das pessoas na justiça, limita o estabelecimento de relações económicas essenciais para o desenvolvimento da concorrência e para um ambiente de inovação.
Não tenhamos dúvidas de que um sistema judicial pouco eficiente é um obstáculo e um limite ao crescimento económico.
A eficiência do sistema de justiça pode ser medida ou avaliada por diversos indicadores, de que se destacam: a morosidade judicial, que mede o tempo necessário para se resolver um processo judicial; o número de novos casos judiciais, que mede a litigância média por determinado número de habitantes; o número de processos pendentes em tribunal, por determinado número de habitantes; a percentagem de processos que o sistema judicial tem capacidade para decidir numa determinada janela temporal.
Analisando qualquer dos referidos indicadores em Portugal, e comparando-os com os de outros países da União Europeia, identificamos marcantes e incompreensíveis ineficiências no nosso sistema judicial.
Nos últimos 20 anos Portugal tem implementado um número material de pretensas mudanças no sistema judicial. Olhando para os efeitos das mesmas verificamos que foram mudanças avulsas, marcadas pela efemeridade das iniciativas. E nenhum impacto tiveram na nossa continuada colocação na cauda da União Europeia no que concerne a eficiência do sistema judicial.
À semelhança do que sucede com outras “instituições” do nosso País, só uma revolução da “instituição” da justiça permitirá colocar-nos no caminho da eficiência da justiça.
Uma mudança da visão para a justiça, uma mudança do propósito que a justiça tem de servir, uma mudança sobre quem deve o sistema de justiça servir, uma mudança na definição de uma estratégia e de objetivos claros e a longo prazo. Mas uma estratégia que se foque na eficiência, que assuma com coragem objetivos quantificáveis dos indicadores que uma justiça eficiente requer. E é essencial assegurar a execução dessa estratégia de longo prazo, e assegurar a análise objetiva dos resultados.
Temos tido algumas oportunidades para promover essa necessária revolução, incluindo no período da Troika, e agora também com o Plano de Restruturação e Resiliência.
Com pena reconheço que pouco tem mudado, com a certeza de que não é injetando dinheiro num sistema ineficiente que ele vai passar a ser eficiente. E se continuarmos à espera do milagre, vamos continuar a esperar. O que é lamentável porque o milagre apenas depende de nós.
Não me digam que o foco na eficiência é uma visão economicista da nossa justiça, que deve obedecer a princípios mais elevados. Isso mais não é do que “tapar o sol com a peneira” porque um sistema ineficiente protege quem não deveria ser protegido, e apenas revela a falta de maturidade da nossa democracia.
Já todos viram que o “rei vai nú”. É tempo de dizer “it’s the efficiency of the justice, stupid!”
(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)