Quinta-feira, Maio 9, 2024

Uma crise forte, precisa de uma resposta forte

Manuel Caldeira Cabral, Ex-Ministro da Economia e Professor da Universidade do Minho

A crise económica resultante da pandemia surgiu de forma súbita e muito profunda. O efeito imediato nas bolsas de todo o mundo foi uma queda de 30% a 40%. No mercado de trabalho dos EUA, houve um aumento de 30 milhões de desempregados, em cinco semanas, algo nunca visto.

Portugal conseguiu uma boa resposta na contenção da pandemia. Mas tal como os restantes países europeus não ficou imune à crise económica. Em abril, 16% das empresas encerram e em pouco mais de um mês houve um aumento de 100 mil desempregados, enquanto outros 700 mil trabalhadores ficaram em ‘layoff’.

As previsões de crescimento passaram de valores positivos, próximos de 2%, para quebras entre os 6,8% e os 8%, ou ainda mais acentuadas, quando se consideram cenários adversos. Em 2020, tanto em Portugal como na UE, vai acontecer a maior diminuição de PIB desde a segunda guerra mundial.

As medidas de resposta económica foram rápidas. O recurso ao ‘layoff’ chegou a mais de 110 mil empresas até ao final de abril, contribuindo para conter o aumento do desemprego. Os 6,4 mil milhões injetados nas linhas de crédito com garantia de estado fizeram chegar liquidez às empresas. As moratórias dos bancos suspenderam pagamentos a mais de 25 milhões em dívida, e o adiar de mais de 6 mil milhões de obrigações fiscais evitou a insolvência de que muitas empresas e famílias. O reforço dos apoios sociais e extensão de benefícios aliviou situações de emergência social.

A crise afetou toda a economia e a sociedade, mas de forma desigual. O conjunto das 40% de empresas mais afetadas tiveram em média uma quebra de faturação de cerca de 80%. As 40% de empresas menos afetadas viram, no seu conjunto, a sua atividade reduzida em menos de 8%. No turismo 60% das empresas encerraram, enquanto em alguns setores foram menos de 10%.

Também entre os trabalhadores, os menos qualificados, os das PMEs, e os com contratos mais precários ficaram mais expostos. Os jovens foram particularmente afetados. A geração que, em menos de uma década, iniciou a carreira no meio das duas maiores crises desde 1929, está a sofrer um impacto que vai afetar a sua vida profissional muito para além da crise.     

Todos os países europeus têm em curso medidas de relançamento. Mas só um esforço conjunto pode conseguir uma retoma rápida.

Ao contrário da anterior crise as instituições europeias estão a responder com políticas capazes de evitar o prolongar da crise. Logo em março o BCE lançou um programa de compras 750 mil milhões de euros, que evitou a subida das taxas de juro e a espiral que podia levar a uma nova crise das dívidas soberanas. Ainda em março o BEI anunciou linhas que colocam 200 mil milhões para financiar as empresas. A Comissão flexibilizou as regras orçamentais e propôs um programa de 750 mil milhões para o relançamento da economia europeia. Os sinais são positivos. É importante manter este consenso europeu.

No programa de retoma temos de ter em conta três aspetos. O primeiro é evitar a destruição de capacidade produtiva, que uma onda massiva de insolvências e de desemprego traria. Isso faz-se com medidas como o ‘lay off’, com apoios para a manutenção de emprego na reabertura das empresas, e com soluções de financiamento de tesouraria, fazendo uma ponte que permita às empresas viáveis atravessar esta crise.

É necessário evitar perdas de capital com insolvências longas e evitáveis, e aprofundar e aproveitar o trabalho que se fez com o programa Capitalizar, com mecanismos de reestruturação empresarial mais céleres, e a criação de novos instrumentos de capital que permitam financiar as empresas sem aumentar o endividamento.

É também importante manter o valor das relações trabalhador-empresa, evitando ruturas desnecessárias, que acarretam perdas importantes para as pessoas e para a economia em geral. A intervenção no mercado de trabalho é essencial para evitar que a crise possa trazer uma vaga de emigração, como aconteceu na anterior, que nos faça perder população ativa.

Em segundo lugar, é importante aproveitar os instrumentos de relançamento para reforçar a competitividade da economia, centrando o apoio no investimento produtivo privado e em projetos públicos que apoiem a produção e reforcem a competitividade da economia. Isso deve ser feito com apoios ao investimento na indústria e continuando a apoiar de forma determinada a inovação empresarial, a digitalização e o crescimento das novas empresas de base tecnológica, de forma a garantir que a resposta à crise reforça a transição da economia portuguesa que já estava a acontecer.

O programa de relançamento europeu tem incluídas interessantes oportunidades. Portugal pode beneficiar da realocação da atividade industrial das empresas europeias que hoje estão mais céticas em relação a manterem cadeias de valor longas.

O país tem também boas oportunidades na transição energética e de melhoria do aproveitamento de recursos naturais, onde partimos de uma boa posição. Temos ainda muito espaço para progredir, por exemplo dando continuidade ao crescimento dos investimentos na produção de energia solar, que já estava a acontecer desde 2017.     

Portugal tem também de estabelecer um plano de recuperação para o Turismo. Este setor foi dos mais afetados e terá uma recuperação longa. É importante reconhecer que este é um setor em que somos muito competitivos, que tem uma importância enorme para o emprego, para o desenvolvimento regional e para o equilíbrio externo da economia portuguesa.

O país tem de conseguir fazer o relançamento sem deixar ninguém para trás e sem comprometer o seu futuro. As medidas de apoio social, já iniciadas são cruciais para a coesão. Um país envelhecido não pode deixar de apoiar as crianças e as famílias mais vulneráveis, nem voltar a dizer aos jovens que saiam para o estrangeiro.

O país tem de fazer tudo isto num quadro europeu mais flexível e com maiores apoios, do que na última crise, mas também numa situação em que apesar de se ter conseguido o primeiro saldo positivo das contas públicas em 2019, estamos a entrar numa crise mais pronunciada, com um nível de endividamento maior. É por isso importante ter em atenção que os recursos são escassos e devem ser aplicados onde podem fazer maior diferença. 

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