Luís Reis, CEO Sonae Financial Services | CEO Sonae Fashion
Vivemos tempos extraordinários (ou melhor, daqueles para os quais ainda não existem inventadas as palavras que os descrevam). Sabemos que este período ficará para sempre na história mundial, assim como aí estarão registadas as decisões tomadas, os momentos de viragem e os resultados que individual e coletivamente conseguirmos.
A pergunta que nos convoca é:
Em que lado da história queremos ficar?
Num mundo global e interconectado são difíceis de enumerar as profundas crises que se interligam, interpenetram e mutuamente se reforçam.
Tudo com início numa crise sanitária, que evoluiu muito rapidamente para uma pandemia global. Um vírus de contágio medianamente baixo, mas que, em grupos de risco identificados, provoca taxas de morbilidade elevadas, internamentos muito prolongados e taxas de mortalidade altas, origina uma combinação de fatores que coloca muita carga sobre o sistema de saúde e, se não houver medidas de confinamento e distanciamento, provoca um número de mortos elevadíssimo. Ora, na sociedade em que vivemos e com os valores e padrões que perfilhamos e prezamos, aceitar que, por exemplo, num país como Portugal pudessem existir 50 a 100 mil mortos num período de 6 meses é totalmente absurdo.
A esta crise somaram-se de forma sequencial e algo descontrolada uma série de outras, quer gerais quer setoriais.
A primeira, muito relevante e de natureza social é a crise de pânico. Imprensa, redes sociais, especialistas, comentadores, governos e sociedades viram o medo invadir o seu dia a dia e condicionar as suas decisões. Conferências de imprensa sucessivas, ordens e contra-ordens, opiniões definitivas e o contrário das mesmas em poucos dias, notícias em catadupa anunciando o apocalipse sanitário, reforçadas por mensagens populistas e iniciativas avulsas de protagonistas vários só agravaram o problema. Põe máscara, tira máscara, abre a janela mas não vás para a rua, trata com isto e trata com outra coisa, vírus de laboratório ou vírus de morcego, conspiração ou condenação divina, passa pelas superfícies ou não passa pelas superfícies, vai para a rua não vás para a praia, vai à praia mas não tomes banho a não ser em cima duma prancha de surf, luvas, viseiras, máscaras, viseiras com máscaras… Já desisti de contar as contradições e as inconsistências.
E a estas crises juntaram-se de forma imediata várias outras – a crise de confiança (de consumidores e empresários com consequência brutais sobre consumo e investimento), a crise da globalização, com o comércio internacional a cair para níveis históricos, a crise das bolsas em ‘crash’ absoluto, a crise de desemprego ou a crise do petróleo, que se agravou depois de uns arrufos iniciais na OPEP. Setores vários são varridos por crises sem precedentes – a crise do turismo, da aviação, da hotelaria, dos rent-a-car, do comércio, da restauração, do crédito, etc.
Para agravar o panorama as instituições entraram também em crise para não dizer em alguns casos em desorientação total. São especialmente notórios problemas na comissão europeia, no conselho europeu, no eurogrupo, no BCE, FMI, OMS, ONU, WTO, etc.
Mas infelizmente ainda há mais crises (evidentes ou anunciadas) – parece anunciar-se uma crise da democracia, com a emergência de lideranças autocráticas e indisputadas um pouco por todo o mundo, e a muito preocupante potencial crise do liberalismo (com os cidadãos preparados para tudo aceitar a partir de Estados com pulsões centralistas e napoleónicas que encontram terreno fértil para tentar regular a vida das pessoas até ao pormenor mais ínfimo – quem imaginaria ter que estudar 78 regras para ir à praia?). A esta seguir-se-á inevitavelmente a crise da liberdade individual – pois se já nos limitam o número de amigos em nossa casa e os sítios por onde andamos ou as pessoas que se cruzam connosco, perante a indiferença ou até a concordância geral da população!
E claro, perante toda esta tempestade, está necessariamente aí à porta uma enorme e imprevisível crise económica. Com previsões de quebras do PIB na Europa que andam entre uns otimistas 7% e uns pessimistas 25% (consoante o oráculo que se consulte), está tudo dito. Basicamente, é legítimo esperar uma devastadora crise económica em resultado da terrível incerteza (como é sabido, o inimigo maior de toda a economia, do investimento, do consumo e da criação de valor).
E agora? Vai haver retoma? Vai ser rápida ou lenta, em V, U, L, W, ou uma nova letra do alfabeto? Recuperaremos para os níveis de 2019 em 1, 2, 5, 10 anos ou nunca? Vamos ter uma crise de dívidas soberanas a atrasar a retoma? E os bancos? Vão ajudar ou vão ser ajudados?
Neste momento não podemos desistir. Ao contrário temos de nos inspirar nos 3 R’s da economia circular e aplicá-los à nossa atitude. Necessitamos de resiliência, por vezes de algum humor e da capacidade de resistir aos momentos difíceis e às surpresas mais improváveis. Precisamos de coragem, de têmpera e de ser destemidos perante as maiores adversidades e os desafios mais extremos, de agilidade, resposta rápida, capacidade de adaptação e de uma indomável resistência face a um destino que parece pré-
–traçado e a uma aparente inevitável condenação prévia à derrota.
Contra o desânimo – resistir, resistir, resistir!
Contra as crises – renovar as apostas!
Contra a derrota anunciada – uma vontade férrea de ganhar, de vencer, de reinventar!