Sábado, Abril 27, 2024

“The show must go on”

2020 será o primeiro em 25 anos em que não haverá festivais de Verão. Álvaro Covões, fundador da “EverythinG is new”, adianta que só com o cancelamento do “NOS Alive”, a Região de Lisboa perdeu cerca de 60 milhões de euros. E avisa que: “O nosso futuro está comprometido se todos nós não tivermos a iniciativa de começar a ir a restaurantes, ao pequeno comércio, a visitar museus, ir a espetáculos”. O empresário não perdeu tempo e marcou um espetáculo logo para 1 de Junho, o dia em que teatros e salas voltaram a abrir as portas. Os bilhetes esgotaram em 11 minutos. O objectivo é: “Pôr tudo a mexer outra vez” e “tentar recuperar o Verão”. Mas Álvaro Covões sabe que: “O caminho vai ser muito lento”.

 

Sofia Rainho
Álvaro Covões,
Fundador da “Everything Is New”

Era inevitável a proibição de festivais até 30 de Setembro?

A proibição acaba por ser o resultado do pedido das organizações. Pedimos ao Governo que clarificasse se no entender das autoridades de saúde e do próprio Governo havia condições de segurança para realizar os festivais. Não havendo nós precisávamos da proibição para resolver as questões contratuais que estão pendentes. Vivemos tempos muito atípicos com esta pandemia, em que se estão a criar diplomas de excepção com a duração de 15 dias. No caso de eventos como os grandes festivais, maratonas, grandes feiras, congressos, etc. – as organizações têm de saber com alguma antecipação se daí a 2 meses vai haver condições, ou não, para os realizar. Essa proibição foi, aliás, imposta em 90% dos países da UE. Uns até 31 de Julho, outros até 31 de Agosto e outros até 30 de Setembro.

Este prazo pareceu-lhe adequado?

Sim. Mas está em cima da mesa a possibilidade de o Governo poder antecipar a data por indicação da DGS. Tem de haver coerência nas medidas. Se estão a tomar medidas de distanciamento nas igrejas, na rua, no comércio, na restauração, nas praias… o efeito não é diferente.

É o primeiro Verão em 25 anos sem festivais. Que memórias vão ficar destes tempos?

Ui, é muito estranho. No caso da “Everything is New” os festivais representam 25% da nossa actividade económica, mas acaba por ser o grande momento do ano. Há 25 anos que me habituei à alegria de chegar ao Verão e haver festival. É algo que nos transforma numa espécie de chefes de uma nação onde as pessoas são felizes. Mas tem a ver também com o impacto na economia, que é brutal. Portugal só vai dar o devido valor aos festivais e a toda a indústria de espetáculos ao vivo quando sentir a diminuição da actividade económica pelo facto de não existirem.

Pode falar um pouco das propostas que levaram à reunião com o Governo no final de Abril?

Essa reunião foi centrada nos grandes festivais, mas levamos também outras questões. Defendemos que uma vez que não vamos poder fazer os grandes eventos, temos de ter condições para fazer pequenos eventos. E se fizermos muitos pequenos eventos conseguimos aquilo que é urgente, que é garantir algum trabalho e a sobrevivência da nossa indústria de que dependem centenas de empresas e milhares de trabalhadores. Os promotores de eventos são a coluna dorsal num ecossistema que desaparece se nós não trabalharmos. As equipas de audiovisuais, empresas de diversos equipamentos, os técnicos, os artistas, até as empresas de activação de marca que trabalham para os patrocinadores… Isto toca em todas as áreas.

Qual é o impacto económico do “Nos Alive”?

O impacto económico do “Nos Alive” da região de Lisboa, assim como o do Rock in Rio (porque curiosamente têm o mesmo valor), são 60 milhões de euros. A “Everything is New” tinha vendido até 28 de Fevereiro 20 mil bilhetes no estrangeiro para o “Nos Alive”. Isto no caso da região de Lisboa, significa que perdeu no mínimo 100 mil dormidas só com esses estrangeiros. E ainda temos de somar todas as pessoas que vêm de outros distritos do país e naturalmente também ficariam alojadas em Lisboa. Com os grandes festivais – como o “MEO Marés Vivas” ou o “Paredes de Coura” e outros – mas também a “FATACIL” e outras grandes feiras, facilmente chegamos a um valor superior a mil milhões de euros.

“NOS Alive”

E agora qual é o caminho?

O que ambicionamos é perceber qual é a melhor forma de podermos trabalhar, com segurança, numa escala menor, mas multiplicada. Sobretudo para garantir algum trabalho e para as pessoas não mudarem de actividade. Portugal é um destino de música do ponto de vista turístico, transformou-se num destino de espectáculos nos últimos anos. O grande desafio é redescobrir Portugal. 2019 foi o ano em que os portugueses gastaram mais dinheiro a viajar para o estrangeiro, segundo o INE. Creio que foram cerca de 2,9 mil milhões de euros. Se se conseguir recuperar 25% desse valor e pôr cá dentro são 500 milhões de euros.

Quantos bilhetes vendem em média por ano?

Em 2019 vendemos mais de 600 mil bilhetes no conjunto de toda a actividade. Não foi mau, num país com 10 milhões. Mais de 200 mil foi em exposições, tivemos dois eventos âncora que foram os dois concertos do Ed Sheeran no Estádio da Luz com 120 mil bilhetes vendidos e mais 150 mil no “Nos Alive”. Mas depois temos um conjunto imenso de eventos.

Há muita procura estrangeira?

Dou um exemplo. No ano passado tivemos dois concertos no primeiro fim de semana de Julho no Altice Arena. Fomos ver e 6500 eram estrangeiros e de certeza que mais de 90% dessas pessoas vieram passar o fim de semana prolongado em Lisboa. Foi o fim de semana em que o aeroporto de Lisboa teve maior rotação. A música é um conteúdo orgânico que sem apoios do Estado conseguiu se tornar um produto turístico. E só agora com esta pandemia as pessoas estão finalmente a perceber isso.

Como se pode então fazer para garantir a actividade neste sector?

Espetáculos em sala e ao ar livre. Com todas as regras indicadas, plateias sentadas, lugares marcados e espaçados…

E é possível ter lucro?

Depende da capacidade permitida, mas temos de nos reinventar.

Como?

As pessoas se querem trabalhar se calhar onde ganhavam 10 têm de ganhar três. Trata-se acima de tudo sobreviver. São centenas de empresas e milhares de pessoas que dependem da actividade cultural e do entretenimento. O efeito de contágio positivo de uma actividade para o país inteiro pode salvar um sector. E os grandes promotores têm a responsabilidade de dar o exemplo, depois quando virem que é possível fazer espectáculos em segurança os pequenos promotores e as autarquias vão ter a obrigação de ter uma oferta cultural. Até para atrair o turismo interno. É uma forma de pôr tudo a mexer.

Marcou logo um espetáculo para o primeiro dia possível, 1 de Junho – “Deixem o Pimba em Paz” com o Bruno Nogueira que se revelou um fenómeno na quarentena. E esgotou em 11 minutos. Estava à espera desse sucesso?

Houve duas condições para isso, ser um espetáculo com o Bruno Nogueira e o preço (5 euros). Foi fundamental para a receptividade dos espectadores e para os trazer de volta aos espetáculos.

Estamos a falar de valores que não permitem margem de lucro, certo?

Não falamos sequer em lucro, mas o objectivo é tentarmos conseguir que todos recebam pelo seu trabalho.

Esgotou tão depressa que tiveram de marcar logo uma segunda data.

Sim. Marcamos logo uma nova data para o “Deixem o Pimba em Paz”, desta vez a 10 euros, e também vendemos tudo em três horas.

O que acha que representa tamanha adesão do público?

Foi muito bom. Mas o melhor sinal foi os telefones dos agentes dos artistas começarem a tocar novamente. Só tocavam para cancelar ou nem tocavam sequer. E agora já voltaram a tocar para marcar, timidamente, mas voltaram.  É o tal efeito de “contágio positivo” para trazer os espectadores de volta às salas de espectáculos. E com isto o que pretendemos e é o mais importante é conseguir trabalho para as pessoas deste sector. Pôr tudo a mexer outra vez. Aos pouquinhos e devagar, mas já conseguimos começar. O objectivo é tentar recuperar o Verão.

Isso ainda é possível?

Nunca será a 100%. Mas vamos tentar o máximo possível. Entretanto também houve um sinal amarelo, de alerta, na região de Lisboa. E é muito importante que continuemos todos a portar bem e a cumprir as regras todas para não voltarmos atrás.

E já tem mais espectáculos previstos?

Tivemos também o Dino D´Santiago a 6 de Junho, no Campo Pequeno, que pusemos à venda por 10 euros. Não vamos parar, mas tem de ser com calma e com mais tempo. Porque desta vez só marcamos o espectáculo e pusemos à venda os bilhetes para o “Deixem o Pimba em Paz” com 4 dias de antecedência, é muito pouco. Isto ainda vai ser muito lento. Vai ser o caminho das pedras.

Não teme que as pessoas possam ser condicionadas pelo medo?

Não. Nós temos uma responsabilidade cívica muito grande. O nosso futuro está comprometido se todos nós não tivermos a iniciativa de começar a ir a restaurantes, ao pequeno comércio, a visitar museus, ir a espetáculos culturais, ao dentista… Se respeitarmos as regras podemos fazer tudo.

Tem ideia do total de espetáculos que foram cancelados na pandemia?

Pedimos às empresas que vendem bilhetes – a BOL, a Blueticket e a Ticketline  – um levantamento dos espectáculos que tinham sido suspensos, adiados ou cancelados a partir de meados de Março e já íamos em 27 mil no fim de Abril. Considerando que em 2018 houve 37 mil espetáculos significava que este ia ser um ano muito acima da média em oferta cultural. E é óbvio que foi um grande balde de água fria para um sector importantíssimo para o país.

Como reagiram os artistas?

Isto é uma tragédia para todos. Os estrangeiros nem tinham como viajar, não conseguiam sequer cá vir.

Era possível o Governo fazer mais?

Não podemos descurar de reeducar os portugueses e ensiná-los a ir aos espectáculos, aos teatros, às exposições. Em 2018, segundo o INE venderam-se 5 milhões de bilhetes para espectáculos ao vivo em Portugal. É muito preocupante quando num país como Portugal cada espectador compra um bilhete para um espectáculo ao vivo de dois em dois anos. Quantos hotéis e restaurantes se construíram nos últimos anos? E quantos teatros, museus e galerias de exposições? Há aqui qualquer coisa que está extremamente errada.

Mas relativamente ao período da pandemia em concreto.

Se não for possível fazer espectáculos, o Governo vai ter de fazer alguma coisa, senão este sector desaparece. As empresas vão desaparecer quase todas e os trabalhadores desta área vão mudar de vida. A grande incógnita é se vai haver actividade. É quase como começar do princípio. As pessoas podem procurar, ou não.

Tem receio que se perca ‘know-how’ neste sector?

Isso foi o mesmo que aconteceu na crise de 2011 com a construção. Os imigrantes que trabalhavam na construção civil foram-se embora e os portugueses também emigraram. Mais tarde quando veio a retoma com o turismo e com a reabilitação urbana não havia mão de obra. Na altura, o Estado não tinha dinheiro e a oferta cultural foi fundamental para trazer dinheiro de fora. E por isso é que os festivais e os espectáculos se tornaram tão relevantes aqui em Portugal. Mas nessa crise os espectáculos e a oferta cultural não pararam, o que houve foi um aumento de impostos, até se aumentou o IVA dos espectáculos.  Agora houve uma interrupção. O grande desafio agora é não deixar as pessoas deste sector fugir e mudarem de vida. Senão “bye bye” turismo. Isso é irrecuperável.

A sua empresa recorreu ao ‘lay-off’?

Todos nós aproveitámos o ‘lay-off’. Foi o instrumento criado para que as empresas enquanto estivessem paradas pudessem ser recompensadas pelos contributos que deram ao Estado durante toda a vida do seu funcionamento. E assim ganharem lastro para a retoma, porque depois quando a retoma começar vai ser uma miséria. Não há nenhum empresário de bom senso que não o tenha feito, senão corria o risco da sua empresa fechar.

Os festivais empregam muitas pessoas…

Dou um exemplo de um problema social muito grave que vai acontecer. Como todos sabemos as forças de segurança são muito mal pagas e o que lhes garante uma vida digna é o chamado gratificado – que é fazer o serviço de segurança aos espectáculos. É o complemento. No “Nos Alive” nós temos uma média de 55 mil espectadores e temos 5.500 pessoas a trabalhar. Isto inclui artistas, técnicos, ‘staff’, seguranças, bombeiros, médicos…

Qual era o primeiro espetáculo que gostava de organizar?

O “Nos Alive”, claro (risos).

Já foram anunciadas as datas para 2021. Acredita que vamos ter mesmo “Nos Alive” em 2021?

Acredito. Até acredito que chegamos a Julho e vamos estar todos a chamar nomes e a dizer por que é que não está a haver festivais porque havia condições para fazer festivais.

Está ligado a duas das principais salas de espetáculos de Lisboa, o Coliseu e o Campo Pequeno, e que estão completamente paradas desde Março. Como se recupera disto?

Não deixa de ser preocupante que nesta crise do COVID em Portugal ainda ninguém se lembrou dos grandes equipamentos privados deste país. Está tudo preocupado com os hotéis, os restaurantes, os barbeiros, o comércio… E as grandes salas de eventos centenárias? O Coliseu, o Campo Pequeno, o Tivoli…  Se isto se prolongar, se não for viável realizar espectáculos, muitas salas correm mesmo o risco de fechar. Sobretudo as salas maiores do país. E acho que tem de haver o bom senso do Estado apoiar estas instituições. Porque se elas fecharem como é que depois pode haver uma retoma económica e cultural? Vai ser muito importante quando abrirmos as bilheteiras que as pessoas se lembrem de nós.

O Campo Pequeno foi um investimento no ‘timing’ errado?

Pois sim. Mas acredito que vamos ultrapassar isto. Temos de acreditar e ser resilientes. O Campo Pequeno está na nova centralidade da cidade. Com o projeto da Feira Popular o centro vai deslocar-se para ali, principalmente com o projeto de fechar a Baixa ao trânsito. E o eixo Entre Campos-Restauradores vai ser fundamental e vamos ter uma oferta cultural vibrante e com muita gente na rua. É o eixo cultural da cidade.

Vamos ter circo no Coliseu no Natal?

Vamos esperar até Julho para tomar uma decisão. Porque neste momento ninguém sabe o que vai acontecer e ainda é muito cedo, faltam 8 meses. Mas isto está tudo ligado. Se o Campo Pequeno funcionar a restauração à volta vai funcionar, se o Villaret funcionar a restauração à volta vai funcionar, quando o Coliseu funcionar a restauração à volta vai funcionar. “The show must go on!”

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