Terça-feira, Abril 23, 2024

“Muitas vezes falta contar, não tanto o resultado, mas tudo o que fizeram para lá estarem”

Aos 38 anos, Marco Alves, é o chefe de Missão nos Jogos Olímpicos de Tóquio, depois de ter estado em Londres 2012 e no Rio 2016, e de ter chefiado os Jogos Europeus, de Minsk. Aponta a duas medalhas, mas relembra o trajecto dos atletas até lá chegarem. A humidade e temperatura podem ser um obstáculo. Na preparação, a Universidade de Coimbra desenvolveu uma câmara para ajudar na preparação. Das tomadas de electricidade, à monitorização de redes sociais, códigos de publicidade e de conduta (tatuagens) tudo está preparado para os Jogos. Mas não se sobreporá à saúde e, por isso, o Coronavírus é um tema que está a ser acompanhado de perto.   

Texto: Miguel Morgado | Fotografia: Pedro Verde

Depois de Londres e Rio de Janeiro, o que se espera dos Jogos Olímpicos, em Tóquio?

É uma pergunta difícil. Temos tanta coisa na cabeça sobre o que estamos a preparar que é difícil seleccionar uma mensagem. O Rio foi um desafio tremendo, as instalações não estavam prontas para receber os atletas. Nesse particular, Tóquio não nos coloca nenhuma reserva. Curiosamente fomos o primeiro país a visitar oficialmente o estádio olímpico. E costumamos ser dos primeiros países a chegar. Na Aldeia Olímpica, ficamos no edifício com a melhor relação entre quartos ‘twins’ e fixos. É importante a nível de gestão do descanso dos atletas. Temos em atenção a diferença horária e tudo o que tenha a ver com descanso e conforto. O fuso horário antecipa a viagem.

Poluição e clima constituem um problema e um desafio?

Até ao ano passado perguntávamos porque é que os Jogos Olímpicos (JO) não foram marcados para Outubro (tal como em 1964). O mundial de râguebi deu a resposta. A nível de temperatura e humidade são os mais desafiantes de sempre para os atletas.

Mas não é novidade para atletas olímpicos, que vão a mundiais?

Estamos a falar de atletas habituados a preparam a sua época desportiva em qualquer lugar do mundo. O calendário internacional de hoje não se disputa só na Europa, como era tradicional há 20 anos. Há muito capital absorvido do lado dos atletas ao nível de ‘jet-lag’ e temperaturas, com maior incidência nas modalidades ‘outdoor’. Para Tóquio, as federações fizeram uma parceria com a universidade de Coimbra que tem uma câmara que simula a temperatura e humidade que se espera durante a competição. Intensificou-se o recurso à realidade simulada. E isso faz a diferença. Quem estiver melhor preparado para aquelas condições, vai competir melhor. Em 2019, nos mundiais de atletismo em Doha, em condições difíceis, um vice-campeão fez essa preparação em Coimbra. E deu proveitos.

Já não vamos só para participar, certo?

Já ninguém pode falar disso, pelo menos, desde 1992. A partir do momento em que existem os actuais critérios de exigência, participar é, sem dúvida, um critério de qualidade bastante exigente. Não podemos fugir à mediatização dos JO. Temos um programa de financiamento que assenta nos resultados. 2019 foi um ano profícuo na obtenção de resultados e a principal referência que temos são os mundiais, onde alcançámos seis medalhas. 

Tenho que fazer a pergunta da praxe. Quantas medalhas podemos esperar?

Não queremos que se repita a história. O Rui Bragança (taekwondo), foi vice-campeão do mundo (2012) e não conseguiu ir a Londres. Foi bronze, em 2019, e vai disputar a qualificação. Só 16 seguem para Tóquio. Temos atletas que já mostraram nível em competição e estão num período de qualificação muito exigente. Há um processo que dificulta a projecção de resultados, mas não podemos ficar reféns desse processo. E não deixar de assumir o mérito que tivemos, atletas, treinadores, federações e do Comité, naturalmente. Os resultados em 2019 são um barómetro. Temos contratualizado com o governo pelo menos duas medalhas e 26 qualificações nos 16 primeiros. Depois há outros critérios e objectivos a que nos propusemos.

É a história dos mínimos olímpicos?

(Risos) Mínimos é a palavra interessante que pode ser entendida como máximos. Conto uma história. A comissão de atletas fez uma apresentação com o Marco Chuva, que tem 8,34m no salto em comprimento. Pedimos a uma pessoa para estender uma fita métrica. Ficaram todos estupefactos. Na televisão, é tudo rápido.

Coronavírus. Há competições a serem canceladas. O que podemos esperar?

Veio baralhar. À data, não há intenção de mexer. Mas também sabemos que houve momentos de comunicação menos felizes do Comité organizador que baralhou os media sobre o adiamento. Organização, COI e Organização Mundial de Saúde estão a acompanhar o tema. A cultura nipónica está habituada a catástrofes naturais e endémicas, e, naturalmente, haverá um cuidado de avaliar a situação. Nada se sobrepõe (contratos assinados) à saúde pública. Estamos a acompanhar.

O tema segurança passa para segundo plano perante a saúde?

Num evento que reúne 11 mil atletas, ‘staff’, 206 países, a preocupação é muito presente. A cultura japonesa deixa-nos descansados. O Japão não é um país de ataque, as fileiras militares estão apontadas à defesa. A parte da segurança está controlada. E vamos ter formação em cibersegurança e monitorização de redes sociais dos atletas.

Está previsto alguma sensibilização para a sua utilização por parte de atletas?

Nos encontros com atletas olímpicos essas questões foram abordadas. Em particular, temos atenção à regra 40 da carta olímpica (publicidade) sobre o que os atletas não podem fazer durante o período de 14 de Julho a 11 de Agosto, reservado aos patrocinadores dos Jogos. Um atleta patrocinado por uma marca de carros que não a dos JO, só pode dizer “agradeço à marca x o apoio” uma vez. Há um conjunto de regras, questões e alusões ao Japão que têm sido abordadas em todos os fóruns.

No mundial de râguebi, no Japão, os atletas foram avisados sobre as tatuagens.

Há preocupações e recomendações do COI e do comité organizador. As tatuagens são uma delas. É uma questão cultural. O japonês, em geral, pode associar à máfia (yakuza). Ainda que a cultura japonesa seja diferente, Tóquio é uma cidade preparada para estes grandes eventos, recebe muitos e não só de desporto. Acredito que haja uma preocupação dos habitantes de Tóquio de se adaptarem a este evento.

Trabalho que faz não se resume a um ‘check-ins’ de inscritos. 

Vai de A Z. Os nossos equipamentos não funcionam, devido à voltagem. Levamos equipamento médico que se não estiver tratado, não funciona. A acreditação. Esclarecer se as tendas onde o BTT fará aquecimento para a prova terá electricidade ou teremos que levar mais uma ventoinha. Saber a temperatura e humidade prevista para o Velómedro. Os pneus gastam-se, mais ou menos, conforme essas situações. Pedidos de viagens feitos em Maio de 2019, sem sabermos o número de atletas. Hoje isto não é vamos para os Jogos. Há um processo que passa por muita coisa.

Os japoneses já lhe falaram da introdução da arma de fogo em terras nipónicas?

Bastante. É interessante, como há um conhecimento tão grande e afectivo quando o que se lembram é que levámos a espingarda….

Não é nada olímpico?

Olímpico não é de certeza, embora haja o tiro olímpico (risos). Deveria haver mais razões para não recordar do que valorizar. Visitámos o museu em Tóquio e está muito presente a chegada dos portugueses ao Japão, simbolizada pela espingarda. Curiosamente, sentem a falta de restaurantes e da influência gastronómica. 

Momento alto que até hoje teve nos ciclos olímpicos que acompanhou?

É muito profundo…não estava preparado para essa pergunta. O ponto alto é preparar as coisas para os atletas. Temos atletas fenomenais. E temos uma máxima: não são só os atletas que têm de ser de alto rendimento. Nós, a Missão, temos que ter a capacidade para garantir as condições que eles efectivamente merecem. E fazemos isso todos os dias (eu e a Catarina Monteiro, adjunta de chefe de missão).

E o maior desgosto?

Vou dizer e vai parecer mal. Tenho achado estranho tudo o que é compromisso da Aldeia. O sistema de funcionamento do comité organizador não tem sido o mais fácil.

Pode explicar?

Os japoneses têm uma cultura muito hierarquizada e tudo o que seja alterações ao previsto demora muito tempo. Dificilmente conseguimos falar com as pessoas que decidem. Temos que apresentar o nosso caso, muitas das vezes, com muita diplomacia. O tempo da apresentação a quem decide e a voltar… temos ansiedade de ter as coisas prontas e, às vezes, não conseguimos ter do lado japonês. Há coisas que já queríamos ter seguras e ainda não estão. Não é desgosto, mas ansiedade. Nas infraestruturas, está tudo preparado. Estávamos à espera que aqui também estivesse.

O público foca-se nos resultados dos atletas e esquece o caminho até lá?

Já os acompanhamos há alguns anos e se possível sei o nome do cão do atleta x, as marcas e o ‘curriculum’ até chegar lá. É isso que muitas vezes falta contar, não tanto o resultado, mas tudo o que fizeram para lá estarem. As coisas não correm sempre bem. É necessário recorrer à história para relembrar quando as coisas correm menos bem que este atleta já ganhou isto e aquilo. Os Jogos são uma competição para a qual os atletas se preparam. Tenho presente uma frase de Rui Bragança: “ninguém quer mais lá estar que eu”. É isso que as pessoas devem ter presente. Eles querem lá estar e no melhor. Mas não são máquinas. 11 mil atletas, 300 e tal eventos de medalhas e 10 mil regressam a casa sem medalhas. É necessário ter a consciência desses números.

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