Terça-feira, Abril 23, 2024

Quando o timing vem tarde, mas vem a tempo para Moçambique

Pedro Cativelos, Director Executivo da Media4Development

Moçambique vive tempos de mudança. Não é só Moçambique, na verdade. É o mundo. Mais verdadeiro seria ainda dizer que também seria factual o começo deste texto no ano passado. E há dez anos, há vinte e mais para trás, porque a mudança está atrelada ao tempo que, antes, vagueava pelos ponteiros como agora se ilumina num ‘smartwatch’, embora tendamos sempre a olhar para ela no agora, chamando-lhe uma e outra vez a mesma coisa, só porque está sempre, de facto, a mudar.

Mais do que este exercício passivo de constatação em que muito caímos, interesso-me por assumir a inevitabilidade, para ganhar tempo a perceber porque nem sempre toda a mudança… muda da mesma forma.

“A economia de Moçambique deve continuar a recuperar gradualmente, mas continua a haver riscos descendentes substanciais devido à incerteza sobre o rumo da pandemia de covid-19”, lê-se na mais recente análise do Banco Mundial à economia moçambicana, divulgada em Washington, na segunda semana de Março.

“Apesar de a economia ter registado a primeira contracção em 2020 em quase três décadas, o crescimento deverá recuperar a médio prazo, chegando a 4% em 2022”, acrescenta-se no texto. O relatório nota, também, que “a perda de empregos e o fecho de empresas, apesar de significativo, foi comparativamente mais baixo do que nos países comparáveis”.

Ou seja, afinal 2020 não foi assim tão mau e, sem surpresas, crescimento a pique em Moçambique, só para o ano.

Sem surpresas, porque há certezas que se ganham quando, mais do que visitar uma cidade ou um país, por lá se vive o tempo suficiente para nos sentirmos tão parte dele que até nos assemelhamos nas suas idiossincrasias, reconhecendo certas subjectividades do seu quotidiano como nossas. Em Moçambique surge, amiúde, nas conversas entre empresários, muitos deles portugueses mas não só, nas mais variadas áreas, da banca à construção, passando pelas empresas de recrutamento, comunicação e tantas outras, que a tão esperada “explosão da economia” se aparenta… com o Sporting. Começa o ano promissora, motivante de expectativas, aliciante dos melhores sonhos e auspícios. “É desta”, no caso, que o investimento vai compensar. Como o pólo é diferente, e aqui o Natal é quente, se na Europa a euforia dura, diz o mito, até alturas de Dezembro, por cá, perdura de Janeiro a Junho, final do primeiro semestre, quando, por norma, já foram publicados todos os relatórios preliminares do Banco Mundial, da Economist Intelligence Unit ou do FMI que vêm mostrar que, “afinal é só para o ano”.

Daí que, quando alguém novo chega a Moçambique, e numa qualquer solene circunstância ou só numa roda de amigos utiliza esse inefável chavão do “País cheio de potencial” ou, mais pausadamente, reflecte sobre um território de “grandes oportunidades”, haja um misto de olhares que muito dizem, sem se desdizer.

Não que Moçambique não o seja, de facto. Mas porque não é, ao contrário do que se possa julgar, um potencial fácil de extrair, ou capaz de conduzir a rápidos proventos, como quem vem de fora imagina que o fosse, especialmente quando vem à procura de investir pouco e lucrar rápido e de forma indolor.

Investir em Moçambique requer tempo, disponibilidade, entrega, resiliência, capacidade de lidar com o imprevisto e, acima de tudo, uma visão universalista do que deve ser fazer negócios. Retirar lucros na exacta medida em que se deixe algo em troca, postos de trabalho, capacitação profissional, reinvestimento de parte dos dividendos e uma aposta séria no País e nos seus recursos humanos e não apenas no ganho por via da conjuntura, mais ou menos, favorável.

Digo-o por vários motivos.

Primeiro, porque a economia de Moçambique é maioritariamente agrícola. Perto de 24% do PIB provém daí e, mais do que a riqueza nacional, é o “pão da mesa” de, pelo menos, 18 milhões de pessoas, a maioria jovens. E dentro desta maioria, uma outra: mulheres e mães. E a agricultura não é, como sabemos, industrializada, mas de subsistência, apesar dos grandes esforços dos últimos anos levados a cabo pelo ministério do sector para dar tracção à produção interna, procurando elevá-la ao patamar do agro-negócio.

“A economia de Moçambique deve continuar a recuperar gradualmente, mas continua a haver riscos descendentes substanciais devido à incerteza sobre o rumo da pandemia de covid-19”

Voltando ao PIB, o de Moçambique era de qualquer coisa como 14, 5 mil milhões de dólares, em 2020, para 28 milhões de habitantes. O de Angola, país com 30 milhões de pessoas, submerso numa grave crise, como se sabe, ronda os 72 mil milhões. E o de Portugal, mesmo com a quebra de 2020, chega aos 202 mil milhões. Para dez milhões de habitantes, 13 vezes mais do que o de Moçambique, para um terço da população.

Esta é a primeira lógica do tal potencial. Há espaço — económico, social e geográfico — para crescer.

Depois, há os recursos. Todos recebemos as notícias de 2010, e vimos amigos e conhecidos partir para Maputo, no tempo em que se deram as descobertas de gás natural. Movidos pela visão cor-de-rosa de uma “Nova Angola” virada para o Índico que despertava do outro lado do mapa. Faltariam quatro, cinco anos para que os “bis” fizessem parte de uma nova realidade contada em dólares.

Muitos vieram nessa busca, tendo sido, poucos anos depois, os primeiros a partir.

Ao mesmo tempo, a descoberta das reservas de carvão de Tete, no centro do País, e a sua exploração pela brasileira Vale, alavancavam a então pequena economia a despontar, transmitindo uma falsa sensação de nova riqueza. A quem estava e a quem chegava. O mercado imobiliário, impreparado para a demanda, inflacionou e levou os preços das importações consigo na exacta medida em que o metical apreciou para duas vezes e meia mais do que hoje vale face ao dólar e ao euro.

Viver em Maputo era, em 2014, demasiado caro. Mas valia a pena, dizia-se.

No entanto, à medida que passaram os anos, era adiada a data de exploração do gás. Sabemos hoje que acontecerá até 2024. Com a baixa mundial das ‘commodities’ de 2014, também o carvão (a única verdadeira fonte de entrada de dólares na economia, para além do alumínio e do IDE) perdeu o valor e a economia caiu na real nos anos seguintes, o que se notou numa segunda metade da década em que o país deixou de ser notícia pelo crescimento e passou a ser destaque pelos conflitos de Cabo Delgado, pelas Dívidas Ocultas ou pelos Ciclones que por aqui passaram, devastando.

Pelo meio, as decisões finais de investimento da Área 1, liderada pela francesa Total, uma operação com um investimento global a rondar os 20 mil milhões de dólares, e de uma unidade de FLNG, liderada pela ENI (a rondar os 8 mil milhões), foram as boas notícias económicas que mantiveram em Moçambique os empresários que ainda resistiam, dizendo, já não em voz alta: “Está quase, só falta mais um ano”.

E chegou a pandemia. Moçambique soube lidar com ela, tendo beneficiado do facto de, um pouco por toda a África, com excepção da vizinha África do Sul, o número de contágios e fatalidades ser, factualmente, menor do que na Europa, por exemplo. Mas o Governo agiu depressa e bem, dentro das circunstâncias próprias de um país em desenvolvimento, mas onde o hábito de lidar com a adversidade faz parte da identidade nacional.

Com a chegada das vacinas e uma nova abordagem mais concreta e definida à situação de terrorismo na província do gás de Cabo Delgado, pressente-se que o pior pode já ter passado. Claro que a quebra económica nunca poderia ser enorme, especialmente porque a pandemia causou as maiores recessões aos países com maior riqueza. No entanto, a recuperação será, sem dúvida, mais rápida do que na grande maioria das economias mais desenvolvidas.

Porque o País tem os recursos, tem vontade e o ‘timing’ chegou.

Se potencial, acredito, será mais o nome que, por defeito, damos à mera soma de algumas forças, acredito também que ele só se concretiza enquanto tal quando realmente assistimos à conjugação de várias delas. Como alguém que olha para África desde pequeno, primeiro ao longe, e há alguns anos por cá, creio que sempre faltou o ‘timing’ certo ao continente que já tinha tudo o resto.

E a pandemia bem pode tê-lo criado com este gigantesco ‘reset’ que vivemos no último ano, e que fez disparar a procura por alternativas, fazendo crescer o apelo pelas renováveis, por novas ‘commodities’ que emergem sob a forma de minérios raros, por novas moedas, as criptos que não páram de subir, e novos modelos de trabalho.

Neste admirável mundo novo em que já se pressente que

o covid-19 estará, em breve, controlado, Moçambique recebeu a vacina em bom tempo, a transição energética é favorável ao gás natural, o País vive um clima de estabilidade política alcançada entre os dois grandes partidos e a insurgência a Norte é encarada com grande preocupação depois do recente ataque a Palma mas com apoios internacionais que se somam à vontade do Governo e da Total espera-se que, no segundo semestre, a operação retome.

Vinte vinte um poderá não ser o ano do ‘boom’ que se espera há tempo de mais em Moçambique, mas será, prevê-se, quando contarmos a história da década, lembrado como o primeiro do resto da vida económica e financeira do País. 

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