Sexta-feira, Abril 26, 2024

O tempo da Justiça Administrativa

Diogo Duarte de Campos, Sócio da PLMJ

Não haverá ato eleitoral ou diagnóstico sobre reformas estruturais a encetar em Portugal, onde a reforma da justiça não ganhe foros de cidade. Porém, a verdade é que, na Justiça, escondem-se realidades bastantes diversas: algumas em que Portugal compara com o que de melhor há a nível mundial, mas também setores bastante mal tratados e onde Portugal compara com o que de pior pode haver. De todos, o parente mais pobre da justiça sempre foi o da Justiça Administrativa, apesar de as atenções estarem sempre centradas em grandes casos mediáticos, geralmente relacionados com o direito penal. Não digo que não seja necessário olhar para a justiça penal e pensar, por exemplo, se, hoje, ainda devemos ter uma fase de instrução como a que temos. Todavia, muito mais grave é o estado da Justiça Administrativa, onde um processo normal poderá demorar cinco, dez ou mais anos até conhecer uma decisão em primeira instância e um processo urgente poderá demorar mais do que seis meses ou mesmo mais de um ano, tanto quanto uma providência cautelar.

Há precisamente 20 anos fez-se, porventura, a última grande reforma da justiça administrativa. Infelizmente, 20 anos depois, se quisermos fazer uma avaliação séria da reforma encetada no início dos anos 2000, não podemos senão concluir que a mesma, na melhor das hipóteses, foi uma desilusão e, na pior das hipóteses, um retrocesso. Pior: hoje, sendo sincero, diria que um cidadão tem os seus direitos, liberdades e garantias mais bem defendidos na jurisdição comum do que na jurisdição administrativa. E dizer isto é dizer tudo sobre o enorme falhanço que foi a reforma do início deste século. Muito mais grave, reconhecer o estado a que chegou a justiça administrativa, implica, também, que se tenha claro que é o próprio Estado de Direito que se encontra em causa.

Se tivermos em conta que, ainda recentemente, foi noticiado que se encontram pendentes de resolução nos Tribunais Administrativos, pedidos indemnizatórios que atingem cerca de 4,5 mil milhões de euros, relativos a danos impostos aos particulares (pessoas coletivas ou pessoas singulares), decorrentes do exercício das várias funções do Estado (administrativa, jurisdicional e político-legislativa), a que acrescerão, seguramente, outras centenas de milhões de euros decorrentes da execução de contratos em que o Estado seja parte, fica-se com uma ideia clara, ainda que parcelar, da injustiça administrativa. Esta justiça chegará inexoravelmente tarde, impõe demasiados sacrifícios aos particulares e pune pouco o Estado que age, muitas vezes – e muito mais vezes do que o que os cidadãos terão perceção – de forma ilegal, não cumprindo procedimentos e regras legais.

Num país onde o Estado é tão grande e tão presente na vida de todos, não ter um sistema de justiça célere, verdadeiramente independente, e convicto na defesa dos direitos, liberdades e garantias dos particulares, representa um claro ‘handicap’ ao crescimento e ao investimento. Aliás, não será por acaso que, tendo notado precisamente esse problema, uma das três condições que a Comissão Europeia impôs para o financiamento do Programa de Recuperação e Resiliência tenha sido, precisamente, a demonstração de um investimento significativo na justiça administrativa.

A recente criação de um conjunto de juízos especializados vai no bom sentido. Mas é pouco. Faltam tribunais e magistrados. Faltam condições para todos os intervenientes. Não podemos continuar a ter os mesmos tribunais provisórios há 20 anos; tal como não podemos ter juízes a quem estão adstritos centenas de processos e pensar que a pendência não aumentará. Mas, para além do necessário, diria mesmo imprescindível investimento público, falta-nos ser muito mais exigentes. Mais exigentes no que verdadeiramente deve estar nos tribunais administrativos ou deverá ser resolvido arbitralmente. Mas também mais exigentes na própria forma como encaramos a jurisdição administrativa: os tribunais administrativos são os tribunais próprios onde o Estado é julgado. Enquanto o Estado continuar a considerar que esta circunstância é um benefício, não teremos um Estado de Direito. E enquanto não tivermos um Estado de Direito não temos nada. Esta é a hora de olharmos para a justiça administrativa.

(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)

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