José Paulo Fernandes Fafe, Antigo jornalista, accionista maioritário da empresa proprietária do “Tal&Qual”
Tudo começou há precisamente 41 anos. Onde? Numa noite de Santos Populares, com meia Lisboa na rua, naquela festa habitual onde se mistura alegria, sardinhas e muito vinho. Em Alfama, quase que alheios à confusão animada que os rodeava, Joaquim Letria jantava com o seu amigo espanhol (perdão, catalão…) Ramon Font, na altura correspondente da Rádio Nacional de Espanha entre nós. O tema da conversa, na altura, não seria difícil de adivinhar: a recente suspensão, de um momento para o outro, de um dos mais populares e vistos programas da televisão da altura, o “Tal&Qual”, que Letria dirigia e apresentava, e que naquela noite tinha ido pela última vez para o ar. “E agora?”, era uma pergunta que pairava sobre a conversa dos dois amigos. E de repente, Ramon soltou, naquele seu simpático “portunhol” de que ainda hoje não se conseguiu livrar: “E porque não fazes um jornal, com o mesmo nome e filosofia do programa?!”.
Como conta Gonçalo Pereira Rosa na excelente introdução do livro “Tal&Qual, memórias de um jornalismo”, lançado há poucos meses, “entre sardinhas e álcool, a matriz do jornal é gizada, mesmo sem saber quem pagaria a aventura ou quem a colocaria em prática”.
A questão é que, quinze dias depois desse jantar a altas-horas, após terem assegurado o indispensável crédito para a tipografia, emprestada que foi por um amigo uma sala no Bairro Azul, e constituída uma mini-equipa em que, para além de Letria e Ramon, tinha lugar Hernani Santos, até aí chefe de redação do então poderoso “Expresso” e que trouxe com ele um jovem jornalista, e que, como na história dos “Três Mosqueteiros”, veio assim a tornar-se numa espécie de quarto elemento desse trio, o semanário “Tal&Qual” chegou às bancas. Estávamos no sábado, dia 28 de junho de 1980, o jornal tinha 8 páginas, custava 5 escudos (Marcelo Rebelo de Sousa, com graça, chamava-lhe “o troco do Expresso”, que na altura custava 15$00…) e como manchete um tema sobre o qual todos falavam, mas ninguém contava: a paixão assumida entre Francisco Sá Carneiro, então primeiro-ministro, e Snu Bonnier, ou Abecassis, como preferirem.
Mas a verdade é que, logo desde os primeiros números, o “Tal&Qual”, mais do que “o troco do ‘Expresso’”, se tornou naquilo, que com alguma felicidade, alguém definiu como “a vitamina do regime” – tal a capacidade que rapidamente possuiu em agitar o ‘status quo’, de contar, com liberdade, irreverência, mas muito rigor, o que ninguém se atrevia a contar em outros jornais. Gonçalo Pereira Rosa chamou a isso, na obra que já citei, “a primeira regra de ouro” que os fundadores do jornal impuseram assim mesmos. E adianta, entre outras, mais quatro: a de “não existirem vacas sagradas”; a do jornal ser “um cão de guarda da democracia”; a de ser “a voz dos que não têm voz”; e finalmente, algo que foi, mais que uma regra, uma exigência, que o verdadeiro “Tal&Qual” enquanto foi “Tal&Qual” sempre cumpriu: “sem foto, não história”.
Praticamente 41 anos depois, apenas “falhando” por 19 dias a data precisa, e depois de quase 14 anos de inexistência, o “Tal&Qual” vai voltar a ver a luz do dia. Um pouco por culpa do livro que atrás referimos e que foi um êxito de vendas, provando assim o peso e a importância que a “marca” ainda possui, mas também por obra e graça de 11 pessoas, quase todas elas que estiveram alguma vez ligadas ao jornal, e que decidiram, um pouco ao jeito de Joaquim Letria e Ramon Font naquela noite de santos populares há mais de quatro décadas, lançarem-se numa “aventura” e que, se me permite um atrevimento, dada situação do mercado da imprensa no nosso País, não resisto a classificar como um pouco mais arriscada…
Porque o fazemos? Em primeiro lugar porque temos saudades – e muitas. Em segundo porque temos a certeza que existe um espaço para este tipo de jornalismo, um jornalismo que quer (e vai!) contar o que os outros não contam, que quer mostrar o que muitas vezes está por detrás do que sucede na política, nos negócios, ou seja um pouco por todo o lado. Um jornalismo que não seja “calimero”, que não assobie para o lado, ou encolha os ombros, no fundo que seja apenas e tão só… jornalismo.
Não seremos, aliás como o “Tal&Qual” da sua época de oiro não foi, um jornal de escândalos, como muitos, ou por ignorância ou má fé, por vezes nos querem classificar. Seremos, isso sim, como sempre fomos, um jornal de histórias, um jornal de notícias, no fundo, um jornal que conte a vida tal e qual ela é. E com, é claro, o Joaquim Letria, nosso “founding father”! Ponto final, parágrafo.
(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)