Sábado, Abril 20, 2024

Tempo de inovar e redesenhar para melhor crescimento

Luís Ferreira Lopes, Consultor

É tempo de esperança e de viragem de ciclo, após um duro e longo período de recessão e de uma pandemia em várias vagas que obrigou pessoas e empresas a reinventarem-se, além de ter provocado a morte a perto de cinco milhões de pessoas em todo o mundo e a mais de 18 mil portugueses (dados de meados de outubro). A esperança deste sol de outono de 2021 reside na rápida recuperação económica e social pela qual todos ansiamos, mas vem acompanhada de cautela e de incerteza, em domínios diversos da economia e da saúde.

A taxa de vacinação de 85% da população em Portugal para a covid-19 dá-nos hoje maior confiança para este inverno e para o que queremos (re)construir em 2022, se não houver novas variantes, nem comportamentos que voltem a deitar tudo a perder (como se viu no primeiro trimestre deste ano e em junho / julho, quando Portugal até estava a conseguir gerir bem o surto pandémico). Este não é ainda o tempo de baixar a guarda, pois há incertezas quanto ao controlo efetivo da pandemia, quando em África apenas 2% da população foi vacinada, tal como é baixa a vacinação em vários países da Ásia ou da América, por exemplo, o que nos leva à reflexão da (in)equidade da distribuição das vacinas. Por outro lado, em Portugal e vários países europeus, perante novos contágios em população já vacinada de várias idades, é necessário administrar a terceira dose da vacina covid-19 e também da gripe sazonal (para já, aos mais idosos e profissionais de saúde), para que esta retoma da vida das pessoas e das organizações públicas e privadas seja sustentada.

Este é o tempo de inovar e redesenhar para conseguirmos taxas de crescimento, competitividade e produtividade bem melhores, perante o risco real da economia portuguesa permanecer nas últimas carruagens do comboio europeu, apesar das previsões otimistas para 2022. Isso pode conseguir-se através de uma aposta clara na Inovação (tecnologia, pessoas, métodos de gestão) aplicada aos projetos desenvolvidos por empresários e empreendedores que apostam em Portugal, seja através da chamada “revolução silenciosa” do ecossistema das start-ups e dos unicórnios de origem lusitana, seja através de maiores estímulos às pequenas e médias empresas, sem esquecer as grandes (à nossa dimensão) com capacidade exportadora e dimensão internacional.

Há decerto vida além do orçamento e da “bazuca” europeia – e os investidores estarão atentos, nos próximos anos, ao pacote de verbas que deve ser bem aproveitado para um verdadeiro desenvolvimento do país – mas a esperança não se vende em pacotes de açúcar, nem com truques de ilusionismo, quando os custos de contexto não se desagravam (para usar uma expressão recente, na apresentação do OE 2022) para quem ainda acredita nas oportunidades existentes no mercado português:

– energia a valores quase incomportáveis e altamente taxada;

– burocracia elevada na administração central e local;

– justiça lenta que agrava a imprevisibilidade do investimento;

– fiscalidade pouco “amiga” das empresas e da classe média e média alta que continua a suportar a grande parte da despesa do Estado, apesar de algum alívio anunciado recentemente, em nome da justiça social, para os escalões da classe média baixa ou para quem consegue sobreviver com pouco mais de 1000 euros por mês.

Arrisco afirmar que os empreendedores e empresários que tentam criar riqueza, investimento e emprego qualificado em Portugal são autênticos heróis perante tantos obstáculos. Apesar de fragilidades várias, o tecido empresarial português tem demonstrado uma notável resiliência, como ficou provado no período pré-pandemia e durante este último ano e meio, sempre “a remar contra a maré”.

Isso mesmo ficou provado nas duas últimas décadas – de estagnação, recessões e crescimentos fracos, exceto os registados em 2019 e 2007 –, como temos acompanhado e assinalado, seja enquanto editor de Economia da SIC / SIC Notícias e autor do programa / livros “Sucesso.pt” (2001/16), seja enquanto assessor para Empresas e Inovação do Presidente da República, para todos os setores da economia, nos últimos cinco anos – missão desafiante desempenhada entre as primaveras de 2016/21, com entrega total. Seja qual for o chapéu cívico, a conclusão é a mesma: o país, e não apenas o Estado, deveria premiar mais a meritocracia e quem ousa avançar com projetos inovadores, com estratégia e visão.

Este é o tempo de visão sistémica dos setores empresariais e das áreas do saber em geral, se queremos atingir o objetivo de forte crescimento e de transformações em diversas frentes como o digital, a energia ou o trabalho. Como sublinhei no livro “Esperança e Reinvenção” (no final da primavera de 2020, em co-autoria com empresários, gestores e académicos), e usando a imagem da Alegoria da Caverna da “República” de Platão, “este é o tempo para ter a mente aberta para sair da caverna; isto é, para investigar, saber mais, inovar e promover a “ideia do bem”, sendo mais exigentes connosco próprios e com os que nos rodeiam (…). Empiricamente, sabemos que só encontramos soluções e inovamos perante uma necessidade. E a questão, quase sempre, é a de saber se essa inovação é incremental, gradual, reformista, ou se é disruptiva e causadora de profundas transformações. Será o momento para redesenhar modelos que temos como certos e pensar e agir de forma diferente?”

Neste início da terceira década do século XXI, nós, os que sobrevivemos à pandemia covid-19, bem podemos valorizar mais o dom da Vida e tentarmos entender melhor a chamada economia comportamental – ou o comportamento dos agentes económicos na gestão de crises –, como já alguns tinham percebido na crise financeira de 2008/09 que alastrou até 2014 em Portugal, após o país ter estado à beira da bancarrota em abril de 2011, ter obtido apoio externo da chamada “troika” e ter regressado aos mercados três anos depois do pedido de auxílio do FMI / BCE / Comissão Europeia… um tempo que parece longínquo, mas que convirá ter na memória.

Este é o tempo de compreendermos a utilidade e relevância de uma visão sistémica com coragem para inovar, da interligação de ciências e saberes, da interdependência das pessoas e dos países, da solidariedade e da bondade, do espírito humanista que une (e não divide) pessoas de todas as idades, condições sociais e financeiras e todos os credos, como muitos de nós percebemos ao longo da pandemia.

Quem entender que esta é (ou foi) apenas uma crise de saúde pública e económica – que criou desemprego, novos pobres e uma fatura financeira elevada para Portugal e vários Estados da Europa e do mundo – terá, provavelmente, uma visão redutora destes estranhos anos de 2020 e 2021. Não sabemos ainda se a crise e a retoma serão em V, U ou W, mas sabemos que os próximos tempos exigem mudança de ‘mindset’ e pensamento estratégico.

Várias organizações e pessoas já começaram a pegar no lápis e redesenhar ou reinventar modelos de negócio e de trabalho nas empresas e no Estado, na escola ou no planeamento das cidades. E é tempo de fazer perguntas:

– Será que percebemos, com a pandemia, que assegurar reservas de alimentos e água e o bom funcionamento de energia, comunicações, tecnologia é uma questão de segurança e soberania nacionais?

– Que lições podemos aprender com os profissionais de saúde, em atitude de abnegado combate na linha da frente, sabendo que os problemas estruturais na saúde já vinham de trás, com sucessivas cativações ou recurso a alguns remédios que apenas aliviam a dor?

– Que exemplos de inspiração militar foram replicados por trabalhadores, gestores, empresários de todos os sectores da economia, nas fábricas ou nos campos, nos escritórios ou em teletrabalho, antes mesmo e durante a gestão militar da vacinação pública em 2021?

Em síntese, se tentássemos elencar algumas lições da pandemia, apontaria algumas variáveis-chave para a sobrevivência enquanto comunidade nacional e retorno da sociedade à “normalidade” – que parecem óbvias, em teoria, mas não são fáceis de aplicar na prática:

– alinhamento da liderança e da equipa;

– proatividade com espírito de missão e de serviço;

– saber planear e contar sempre com planos de contingência (b, c, d, e, f…);

– testar e nunca facilitar ou descurar riscos (exemplos: saúde, proteção civil, conflitos sociais ou laborais, em momentos de elevado ‘stress’);

– agir rapidamente e comunicar com eficácia e transparência em todas as situações de gestão de crise (o que nem sempre aconteceu);

– regressar à linha da frente (mesmo após ter sido ferido em combate) e não deixar ninguém para trás;

– ter noção do impacto das decisões (certas ou erradas) e do adiamento ou não-decisão na hora h;

– fomentar solidariedade e cooperação a nível social e político-institucional.

No texto que escrevi para o livro acima referido, em 2020, coloquei várias questões que, creio, permanecem atuais porque “este é o tempo também para perguntar e imaginar o que poderá mudar”.

– Manteremos a tendência do teletrabalho, nas empresas e na administração pública?

– Se sim, que implicações haverá no sector imobiliário de uso para escritórios ou na (menor) necessidade de viagens de negócio e nos voos comerciais, mesmo que apreciemos o regresso ao contacto presencial?

– Haverá, realmente, maior investimento e melhor gestão dos recursos na saúde e na educação?

– Voltaremos ao ‘stress’ das filas de trânsito (já está a acontecer desde setembro…) ou percebemos que temos de melhorar os meios de transporte público, as ciclovias e ecovias?

– Aproveitaremos para acelerar, de facto, a transformação digital e transição energética, reduzindo a poluição, cuidando mais da natureza e gerindo melhor os recursos dos oceanos ou ficaremos pelos discursos politicamente corretos da sustentabilidade?

– Teremos capacidade para questionar, de forma construtiva e cívica, sem demagogia e populismos fáceis, como construir um país bem melhor e um mundo mais justo, com maior regulação e verdadeira interdependência económica e geopolítica – o que é diferente da globalização do capitalismo selvagem?

– Passada a pandemia, continuará o espírito de solidariedade (a que assistimos na primeira vaga em 2020 e depois no início de 2021) e a valorização do que é realmente essencial, quando se trata de sobreviver e de dar, sem esperar receber, independentemente das nossas crenças religiosas ou espirituais?

– Voltaremos a práticas egoístas e hedonistas ou teremos maior disponibilidade para ouvir, saber escutar, olhar e ajudar o Outro e valorizar as diferenças, procurando entendimentos e construir pontes de diálogo entre pessoas, culturas e civilizações, como os portugueses têm sabido fazer ao longo de séculos?

Os diagnósticos estão feitos e é tempo de concretizar. Sabemos o que precisamos de melhorar:

– melhores práticas de Gestão e Liderança;

– subida na cadeia de valor dos produtos exportados ‘made in’ Portugal;

– mais adequada formação dos quadros técnicos e superiores;

– captar mais investimento estrangeiro para Portugal;

– trabalhar melhor o marketing (e serviço pós-venda) e a reputação dos nossos produtos e das marcas, inclusive da marca-País;

– desenvolver ou semear mais centros de reflexão (think tanks) e de produção de saber interdisciplinar sobre Inovação aplicada, competitividade e produtividade.

Os primeiros anos desta década não devem ser desperdiçados, nem na gestão dos recursos financeiros e humanos, nem nas táticas de curto prazo dos vários poderes. Este é o momento para apontar caminhos de estratégias ambiciosas e exequíveis, de preferência conciliadoras no espectro político e social, sob pena de Portugal ser das economias que mais sofrerá na Europa quando o ciclo económico se inverter ou eclodir alguma nova crise financeira como a de 2008/9 – que rebentou em Portugal em 2011.

Após o momento duro e difícil, mas igualmente desafiante, que atravessámos, não precisaríamos de uma crise com a dimensão pandémica para descobrirmos o que é realmente importante na nossa vida enquanto “nobre povo” de uma “Nação valente”, una e europeia, nascida em 1143. Esse é, aliás, um ativo de identidade que devemos valorizar mais e bem poderíamos começar a planear que país queremos ser em 2043, quando Portugal celebrar nove séculos como nação.

E volto ao livro: “O país de Eduardo Lourenço, Fernando Pessoa, Eugénio de Andrade ou Amália Rodrigues já enfrentou tanta crise, peste, invasão, perda de soberania, bancarrota, inveja, pobreza, risco da aventura, descoberta de glória vã e sabe (pelo som das ondas do mar ou dos gemidos de uma guitarra) o que é choro, bravura, luto, alegria, resiliência e coragem. Este é, pois, um tempo de Esperança e de Reinvenção”.

Este é também o tempo de coragem política para elevar a fasquia e de foco na Política, no sentido nobre da sua raiz: Polis, ao serviço da Comunidade e dos Cidadãos. Há muito que é urgente avançar com reformas em vários domínios do Estado e do funcionamento de diversas entidades públicas. É necessário inovar, com estabilidade política e económica, sem esquecer competitividade fiscal para atrair e reter investidores. Não é tempo para “balde dos caranguejos” que puxam para baixo quem tem sucesso, nem para a inveja e a mesquinhez das capelinhas que só atrasam ou anulam tantos negócios na Lusitânia.

Como estamos a assistir desde o verão, com o abrandamento da pandemia, é nestes momentos que se tomam decisões de investimento e fazem bons negócios, em vez de adiar ou esperar para ver. Portugal é, apesar de problemas acima referidos, um mercado atrativo para investir porque, num mundo e numa Europa em mudança, é um País com inúmeras vantagens para viver e trabalhar e para criar negócios.

Neste país há vários campeões nacionais, ibéricos, europeus e até mundiais, em vários sectores, segmentos e nichos – onde a diferenciação e a subida na cadeia de valor foram e são decisivas na sobrevivência e no crescimento resiliente. Este é o tempo de um novo paradigma (há empresas que já perceberam rapidamente) e doses elevadas de autoestima têm de fazer parte da receita de sucesso internacional dos empresários e dos trabalhadores portugueses, para quem, desde o século XV, não há impossíveis. 

(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)

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