David Azevedo Lopes, Presidente AEON Japão
Nunca como hoje as perguntas foram tão importantes. E também, nunca como hoje, precisámos tanto de respostas exactas, verdadeiras e científicas, às perguntas que se vão acumulando. Não sabemos nesta pandemia quando é que teremos a maioria da população do mundo vacinada, mas muito antes disso, ainda não sabemos, definitivamente o verdadeiro alcance das actuais vacinas. E se continuarmos nesta lógica poderíamos também perguntar se a próxima variante deste COVID, ou mesmo uma nova pandemia, poderá ser enfrentada com a vantagem do que (não) aprendemos com esta.
Vamos conhecendo e sentindo as consequências dramáticas desta crise, em vidas perdidas, e na destruição de milhões de empresas e postos de trabalho, que os organismos que tratam das estatísticas, vão debitando junto com a redução da criação da riqueza das nações e a redução de rendimento dos trabalhadores e das famílias.
Sabemos isso, mas não sabemos o custo para as novas gerações do acentuar das desigualdades, expressa em muitos países pelo mais difícil (ou mesmo impossível) acesso à saúde e à justiça ao mesmo tempo que o elevador social, que a educação deveria significar, parou avariado entre o andar da pobreza e o andar da esperança e do sonho. Ironicamente numa parede em São Paulo um ‘graffiti’ sintetiza o sentimento: “Na minha juventude fui muito pobre. Mas depois de anos de luta e trabalho, deixei de ser jovem.”
O insucesso das respostas, às perguntas que não fazemos, continuam a permitir que enormes avanços civilizacionais e científicos não sejam colocados plenamente ao serviço do bem-estar da humanidade e da liberdade individual. Há uns anos atrás a autora Naomi Klein (com quem discordo em muitas das suas teorias) escreveu no seu ‘best-seller’ “No Logo” que a “democracia é um assunto local”. Às vezes pergunto-me se não será esse nosso pequeno mundo, que não nos permite assumir mais responsabilidade como cidadãos do país e do planeta. Somos capazes de nos mobilizar por uma causa local, seguramente por algo grave que tenha a ver com a nossa rua, mas ficamos indiferentes perante atropelos a questões que a nossa consciência e solidariedade humana nunca deixaria de nos convocar. Da ilusão de que as redes sociais nos davam mais poder, passámos para a consciência que são cada vez mais espaços de difamação, egocentrismo e mentira ou de “neorrealismo” como alguns preferem chamar. Pensámos que a digitalização de conteúdos, da informação e do conhecimento nos iria conduzir a um mundo mais partilhado, cooperativo e de acesso a novas oportunidades. Ao invés, assistimos à crescente balcanização, fragmentação e controle (quando não censura), desses mesmos conteúdos, tal como previsto no livro “The New Digital Age” publicado em 2013 por Eric Schmidt e Jared Cohen. É talvez por isso que a democracia, que damos muitas vezes como um valor absoluto e adquirido se apresenta cada vez mais questionada.
Tudo está, aparentemente, à vista de todos, mas paradoxalmente novas linhas do “politicamente correcto” no jogo do deve e haver da política internacional nos afasta do sofrimento que, por exemplo, o povo de Myanmar está a viver perante um golpe de estado militar que remove um governo democraticamente eleito, e impõe um estado marcial que ignora e esmaga os constantes pedidos de ajuda da população a nações como os Estados Unidos, Japão e à União Europeia.
Quantas vezes nas últimas semanas nos lembramos de ter visto, tratado com profundidade, e intensidade nos media, a crise humanitária no Yemen, que é somente a mais grave, existente hoje no mundo. Neste país 80% da população, das quais 12 milhões de crianças enfrentam diariamente a fome a pobreza extrema, sendo que actualmente 400 mil crianças correm o risco de morrer de subnutrição.
A primavera árabe é um bom exemplo disso. Foi na Internet que começou, mas a “algoritimização” dos conteúdos e da nossa atenção desviou-nos para conteúdos “livres e não pagos”, que é o mesmo que dizer, para as notícias das “galinhas das duas cabeças”, “listas e rankings de belezas e outros feitos” e alguns títulos sobre futebol. Mais do que respostas instintivas e superficiais, em que a ciência, não está simplesmente presente, precisamos de colocar as questões certas, seja na sociedade, seja nas nossas empresas e organizações. Contrariamente à percepção de muitos a Internet e o acesso às ferramentas de partilha não oferecem mais voz aos cidadãos. No futuro que já é presente, mais pessoas terão menos poder. É por isso que a exigência que temos que colocar nos lugares de liderança é tao importante. Ao fazê-lo estamos a criar condições para que as perguntas recebam as respostas adequadas, rigorosas, científicas e verdadeiras.
Um comandante da Marinha, meu amigo, define a exigência que temos que ter com os líderes com uma imagem ligada a navios, como não podia deixar de ser. Pergunta ele: “Estamos a bordo de um grande paquete. Quem queremos que vá ao comando do navio? Um amigo do armador, simpático, bem relacionado e com boa impressão? Ou o melhor de nós nas técnicas de comando e navegação? Termina respondendo: “Se o bom senso nos leva a escolher a segunda opção, porque é que em relação à politica e à gestão do bem comum e da nossa predestinação, agimos de forma diferente?”
(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)