Sábado, Abril 27, 2024

“Gosto de me considerar a embaixadora do território no Conselho de Ministros”

Entrevista a Ana Abrunhosa, Ministra da Coesão Territorial

Ricardo David Lopes

Em 2019 prometeu ser, no Governo, “embaixadora” da causa da redução dos preços das portagens no interior. E foi bem-sucedida. “Esta foi a minha missão impossível”, diz Ana Abrunhosa, destacando a importância da redução dos custos de contexto nos territórios do interior. O Ministério da Coesão Territorial, diz, levou estas regiões para dentro do Conselho de Ministros, criando sinergias entre sectores governativos que, de outro modo, não haveria, para prejuízo das populações que, por opção ou necessidade, vivem fora dos grandes centros urbanos.

Este é um Ministério novo. É difícil lançar uma nova área governativa?

É desafiante criar um Ministério que nunca existiu, mas que veio preencher uma necessidade.

Qual foi o racional da criação do Ministério da Coesão Territorial?

Nos governos, cada Ministério sectorial olha para o território do seu ponto de vista, mas há que fazê-lo de forma integrada. O nosso objectivo é dar esse caracter integrador à intervenção no território e permitir que, nele, os vários níveis de administração também se integrem entre si. Temos câmaras, comunidades intermunicipais, e nós [Ministério da Coesão Territorial] tutelamos as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, as CCDR.

A Senhora ministra aliás, dirigiu uma, a do Centro…

Sim, as CCDR têm competências no ambiente, desenvolvimento regional, planeamento. Já têm, por si, a missão de coordenar a actuação da saúde ou da educação na sua região, e os seus vários actores. A criação deste Ministério acabou por trazer o território para o Conselho de Ministros, onde eu, como ministra, não represento um sector, mas um território. E temos os fundos comunitários ao serviço do Ministério. Deixe-me dar-lhe um exemplo: imagine que queremos resolver um problema de insucesso escolar num dado local…

É um problema do Ministério da Educação…

Não é só, é um problema da comunidade. Quando queremos actuar sobre o insucesso escolar, temos de intervir nas escolas e na comunidade escolar, envolvendo não apenas o Ministério da Educação, mas os municípios, as comunidades intermunicipais, e nós, através das CCDR, temos os fundos comunitários como “cenoura” e incentivo para que todos trabalhem em conjunto. Conseguimos congregar os vários sectores do Governo na resolução dos problemas, assim como os vários actores da região.

Esta orgânica permite maximizar o recurso a fundos comunitários?

Sim, e é esse o objectivo: que este Ministério, não sendo sectorial, apoie a educação, o ensino superior, empresas e associações empresariais, etc. Se, quando estivermos a aplicar os fundos a uma região, não tivermos uma visão integrada dos problemas e do caminho que queremos fazer, como poderemos tornar essa região mais competitiva?

Apoiando as empresas também…

Não basta. Temos de ter trabalhadores qualificados, as instituições de ensino superior têm de trabalhar com as empresas, temos de envolver os municípios. Quando falamos de estimular a competitividade de um território, falamos de universidades, politécnicos, associações de empresas, micro, pequenas, médias e grandes empresas, municípios, é uma estratégia de eficiência colectiva. Se as verbas fossem geridas pelos ministérios, cada um teria a sua visão do problema e não uma visão sistémica, como tem uma CCDR.

“NOS GOVERNOS, CADA
MINISTÉRIO SECTORIAL OLHA
PARA O TERRITÓRIO DO SEU
PONTO DE VISTA, MAS HÁ
QUE FAZÊ-LO DE FORMA INTEGRADA.”

Ganha-se eficiência?

Sim, este modelo permite atingir objectivos de forma muito mais eficiente, congregando esforços no Governo e localmente. Podemos, assim, tratar diferente o que é diferente. Podemos ter uma política nacional, mas quando a aplicamos territorialmente, temos em conta as características e os actores da região. Trabalhamos em proximidade com o território – gosto de me considerar a embaixadora do território no Conselho de Ministros.

O papel das CCDR é central…

Sim. Os presidentes e um dos vice-presidentes já foram eleitos, agora é ir integrando nas CCDR a representação que cada ministério tem nas regiões, para que este trabalho de olhar o território como um todo possa ser mais bem conseguido, até chegarmos à regionalização, ainda que não nesta legislatura.

Há experiências na UE de ministérios similares?

Em Espanha, por exemplo, há o Ministério da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico, com quem aliás reunimos e traçámos a primeira estratégia comum de desenvolvimento transfronteiriço. Já há um programa de acção, com projectos concretos, caso da IC-31, na Beira Baixa, a Ponte de Nisa, a Ponte de Alcoutim, que são instrumentais para uma estratégia de desenvolvimento conjunto.

Como se define coesão territorial?

Temos de garantir que, quando o país cresce, todos os portugueses beneficiam desse crescimento, independentemente do local onde estejam. As dimensões da coesão territorial são aquelas que afectam a qualidade de vida das pessoas – a habitação, por exemplo, é muito importante, quer no interior, quer nas próprias áreas metropolitanas. Também é fundamental a questão da acessibilidade, igualmente olhada de forma diferente em regiões diferentes. Os problemas do interior não são os do litoral, logo, as soluções devem ser diferentes. Outra dimensão importante é que as pessoas tenham trabalho digno e serviços públicos de qualidade.

E como se obtém esse trabalho?

O trabalho digno implica que os territórios do interior não fiquem abandonados de actividade económica.

Tem dados que confirmem uma tendência de abertura ou transferência de empresas para o interior?

Sim. Uma das primeiras coisas que fizemos foi, com os fundos comunitários, criar uma medida de apoio ao investimento no interior, quer das empresas que já lá estavam, para expansão de actividade, quer para atrair novas. Em regra, por cada 100 euros, 30 são a fundo perdido, para apoio ao investimento, desde que seja inovador, e simultaneamente apoiamos as empresas na contratação de pessoas qualificadas.

“CONSEGUIMOS CONGREGAR
OS VÁRIOS SECTORES DO
GOVERNO NA RESOLUÇÃO DOS
PROBLEMAS, ASSIM COMO OS
VÁRIOS ACTORES DA REGIÃO.”

Houve muita adesão?

Sim, e também houve apoios para as pessoas que criaram o seu próprio negócio. A quem vivia no litoral e se deslocou para o interior, atribuímos um subsídio à família que poderia ir até 4800 euros, para despesas de mobilidade.

Há hoje mais instituições de ensino superior no interior?

Em dois a três, anos duplicámos esses números, sobretudo por via dos politécnicos, que abrem polos e criam cursos em parceria com as empresas. O papel das instituições de ensino superior é fulcral, atraem jovens e promovem actividade inovadora em seu redor. Neste caso, trabalhámos com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. No lançamento de medidas de apoio ao investimento, com a Economia, no apoio à contratação de pessoas, com a Segurança Social.

Como se mede a coesão?

Infelizmente, não temos um indicador consensual na Europa que o faça. Estamos a tentar trabalhar com algumas universidades para elaborar uma proposta de índice de coesão territorial. Temos de ser proactivos e fazer esta proposta a Bruxelas. Gostaria muito que, no final desta legislatura, já tivéssemos este indicador compósito.

A pandemia evidenciou problemas de coesão no nosso território?

A pandemia veio mostrar aos portugueses o valor do interior, a segurança, a qualidade de vida. Para muitos, foi um refúgio, outros descobriram-no por causa da pandemia, e a procura de casas disparou. Esperemos que isto ajude a conter a perda de população no interior. A pandemia veio também evidenciar terríveis problemas dos centros urbanos na habitação e na falta de espaços públicos. Temos de aproveitar esta janela, em que as pessoas estão disponíveis para mudar de vida, para continuar a criar os incentivos. Para certas actividades económicas, estar numa cidade pode ser vantajoso, mas, para muitas outras, não, pelo contrário.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) vai acelerar o processo da coesão?

É o termo certo, acelerar transformações.

Como?

As áreas prioritárias estão definidas – saúde, educação, social. Mais de metade dos projectos já foi contratualizada e temos até 2023 para contratualizar os restantes. A execução será muito descentralizada, ao nível das CCDR, municípios, entidades no território. Temos de ter tudo executado até 2026, mas o PRR não substitui o quadro comunitário de apoio.

Há áreas ou medidas que esse quadro não pode apoiar?

Por exemplo, temos tido muita dificuldade em apoiar ligações transfronteiriças, rodovias, e são projectos que, à partida, não seriam financiáveis. Na habitação, vamos usar uma parte do PRR, e o que não conseguirmos por via dele, pode ter solução via “Portugal 2030”.

O que é o PRR traz para a habitação?

Funciona assim: um município traça uma estratégia local de habitação e identifica as habitações que não têm condições de dignidade. Vê também terrenos onde possa ser construída habitação para jovens quadros das empresas que não têm dinheiro suficiente para pagar uma habitação a preço de mercado, mas que conseguem suportar uma renda acessível. Depois o município contratualiza com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e beneficia de financiamento para reabilitação, construção de habitação nova. Mas também há apoios para equipamentos sociais, ou para a compra de viaturas novas, eléctricas por exemplo.

“PODEMOS TER UMA
POLÍTICA NACIONAL, MAS
QUANDO A APLICAMOS
TERRITORIALMENTE, TEMOS EM
CONTA AS CARACTERÍSTICAS
E OS ACTORES DA REGIÃO.”

O PRR tem verbas distintas para o interior e o litoral?

Não, depende sempre dos projectos, mas, no “Portugal 2030”, uma fracção muito importante das verbas será para o interior.

O “Portugal 2030” ainda não está fechado…

Estamos a trabalhar num acordo de parceria, com um conjunto de princípios e de regras entre o Estado português e a Comissão Europeia para a aplicação dos fundos, e a lógica será a de continuar os bons exemplos do “Portugal 2020”, mas com grande foco nas empresas, a quem se destinam cerca de 40% das verbas do “Portugal 2030”.

E no PRR, há oportunidades para empresas?

O PRR apoia projectos totalmente diferentes do “Portugal 2030”. São agendas mobilizadoras que são, no fundo, polos, consórcios, entre academia, empresas, municípios. No “Portugal 2030”, apoiamos as empresas individualmente.

“OS PROBLEMAS DO INTERIOR
NÃO SÃO OS DO LITORAL, LOGO,
AS SOLUÇÕES DEVEM SER
DIFERENTES. OUTRA DIMENSÃO
IMPORTANTE É QUE AS PESSOAS
TENHAM TRABALHO.”

O quadro anterior, o “Portugal 2020”, também dedicava 40% a empresas?

Não difere muito. No âmbito do “Portugal 2020”, temos apoiado mais de 20 mil projectos de investimento de empresas, que perfazem um investimento de 13 mil milhões de euros, sendo que um quarto é no interior. Cerca de 80% dos fundos são para PME e 70% destes projectos são na indústria. Também abrimos uma linha nova, que é para apoio à contratação de doutorados e de mestres por parte das empresas do interior.

Já há resultados?

Já apoiámos quase 900 doutorados, mestres e licenciados na sua entrada em empresas com actividades inovadoras em territórios do interior. Há ainda o Programa Regressar, para jovens qualificados que tenham saído do país e queiram voltar para o interior. Só de apoio directo, recebem 7600 euros, e durante cinco anos suportam IRS apenas sobre metade do rendimento. Agora vamos fazer o mesmo para colocar em IPSS pessoas da área da saúde. A ideia é financiar as IPSS que contratam essas pessoas que estão fora, e que, em simultâneo, recebem os apoios directos. A pandemia mostrou-nos que muitas IPSS têm trabalhadores que não são qualificados.

Qual a medidas, ou as medidas, de que mais orgulha neste Ministério?

A redução do preço das portagens no interior. Foi a minha missão impossível!

É uma “guerra” antiga, a questão das portagens…

É, mas consegui, não sozinha, claro.

Mesmo no seio do Governo deve ter havido um debate bastante aceso.

Há sempre, mas o interior tem de existir sempre para o Governo e estar muito dentro do Conselho de Ministros. Reduzir as portagens foi muito importante, ajudou a baixar custos de contexto relevantes.

No “Portugal 2030”, que oportunidades há para as empresas do interior?

Todas!

De valores falamos?

Não posso avançar ainda, mas uma das prioridades do “Portugal 2030” é a competitividade dos territórios do interior. É através da competitividade que se gera coesão – com medidas dedicadas a apoiar o investimento no interior, à contratação de pessoas qualificadas pelas empresas, a tornar a envolvente atractiva para as empresas, continuar a batalhar nos custos de contexto…

Que outros, para além das portagens?

Por exemplo, um custo de contexto terrível é a falta de mobilidade nos territórios do interior. A falta de acessibilidades – um problema que muitos territórios estão a “atacar” de forma conjunta – é um custo de contexto. Uma das áreas fundamentais do “Portugal 2030” é, para além da competitividade, a ambiental, mas também a digitalização, as desigualdades e a demografia – tudo isto tem a ver com coesão territorial.

Para além das portagens, de que falámos, que medidas tem na ‘manga’ de que possa vir a orgulhar-se também?

Gostaria de ser recordada como a ministra que conseguiu criar condições para atrair mais empresas e pessoas qualificadas para o interior. Mas, sobretudo, quero que me recordem como alguém com os pés na terra: nós não vamos repovoar o nosso interior, queremos é que não fique abandonado e que, mesmo com menos gente, tenha actividade económica, vida, e que as pessoas que escolheram lá trabalhar tenham qualidade de vida e não se sintam que têm menos oportunidades na cultura, no lazer, na educação, na saúde por viverem ali. Podemos construir um país desta maneira. Acredito que, se o fizermos, estamos a resolver problemas também do litoral. 

“EM DOIS A TRÊS, ANOS
DUPLICÁMOS O NÚMERO DE
INSTITUIÇÕES DE ENSINO
SUPERIOR EM TERRITÓRIOS DO
INTERIOR, SOBRETUDO POR VIA
DOS POLITÉCNICOS.”

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