Sexta-feira, Abril 26, 2024

“É o coroar de uma carreira”

Entrevista a Nuno Pinto de Magalhães, Chairman SCC

Sofia Arnaud

Na Sociedade Central de Cervejas há 47 anos, 20 dos quais enquanto Director de Comunicação e Relações Institucionais, Nuno Pinto de Magalhães foi recentemente eleito Chairman da Companhia para onde entrou como estagiário aos 18 anos, como uma solução de recurso, após ter terminado o 7º ano (12º ano) e ter que esperar um ano (Serviço Cívico) para poder engressar na Faculdade de Direito. Saber ouvir, fazer as coisas com paixão, usar o bom senso e nunca recusar uma boa conversa foram alguns dos segredos que o levaram ao topo.

Está há 47 anos na SCC, onde percorreu praticamente todas as áreas da companhia. Pode contar-nos como tudo começou?

Hoje estamos aqui num local simbólico, a Cervejaria Portugália da Almirante Reis, edifício contíguo à antiga sede da Central de Cervejas, que estava sediada no nº 115. Foi nesse edifício que comecei a trabalhar e muitas vezes vinha à Portugália beber uma imperial, comer um prego à inglesa ou encomendar croquetes quando tinha que fazer horas extraordinárias.

Na altura era a única Portugália que existia, era um local emblemático na época. Tenho muito boas recordações e óptimas memórias dos cerca de 20 anos que aqui passei na Almirante Reis. Comecei a trabalhar em Outubro de 1974 e saí daqui em 1995, data em que em foi anunciado que a sede da Almirante Reis iria encerrar e iriamos passar todos para Vialonga, para a fábrica, onde ainda hoje é a sede da Central de Cervejas. Eu fui dos primeiros a mudar.

Entrei para a companhia como estagiário em Outubro de 1974, com 18 anos, na altura para “fugir” ao ano de serviço cívico obrigatório, institucionalizado após a Revolução de Abril para os alunos que tivessem terminado o 7º ano (agora 12ºano) e quisessem ingressar na faculdade. A este ano de serviço cívico era dispensado quem estivesse a trabalhar e foi neste sentido que me candidatei à Central de Cervejas. Integrei o serviço de património, da área da contabilidade, onde tinha que fazer o inventário do mobiliário das instalações. Para a altura ganhava um ordenado fantástico e tínhamos imensas regalias.

Em Janeiro de 1975, na sequência do processo revolucionário, a empresa foi ocupada pelos trabalhadores, com saneamento dos administradores e reivindicações por parte da comissão de trabalhadores e órgãos sindicais no sentido de todos trabalhadores com contratos a prazo, onde eu estava incluído enquanto estagiário, passassem a efectivos. Decorrente desse movimento, eu e mais de 400 trabalhadores, passámos aos quadros. Portanto, eu costumo dizer que sou praticamente o “Filho da Revolução”.

Este é o início da minha carreira, por mera circunstância, por mera casualidade, a ideia era fazer um período curto antes de entrar na faculdade de Direito, para seguir a minha carreira como Diplomata. Fui integrado nos quadros da empresa e nunca mais saí.

Foi aí que se apercebeu que estava na SCC para ficar?

Não, nunca percebi que estava na Central para ficar. Eu fui ficando, porque sempre me dei bem na Central de Cervejas, tive momentos bons e menos bons como em tudo na vida, mas aprendi muito e nunca me cansei, talvez devido ao facto de ter passado por muitas funções. Sempre que entrava numa área nova era como se começasse numa nova empresa. Tenho um lema que é gostar de fazer tudo o que faço e vejo sempre o “copo meio cheio”.

É o colaborador mais antigo da SCC?

Sou um dos mais antigos. A esse propósito trago aqui hoje, de uma forma simbólica e pela primeira vez para uma entrevista, a “Carica de Ouro” atribuída aos colaboradores com 40 anos. Todos os anos há uma cerimónia em que os trabalhadores com 25 anos e 40 anos são prestigiados com a carica de cerveja Sagres em ouro. Hoje trago aqui como registo e também para homenagear todos os meus colegas que fizeram 40 anos, eu já tenho 47, é apenas simbólico.

Qual o segredo da longevidade na companhia?

O segredo da longevidade na companhia é a capacidade de adaptação, o saber mudar, a resiliência, a flexibilidade, sem nunca abdicar dos meus princípios, daquilo que considero que é vector estruturante da minha personalidade. As empresas vivem em permanente mudança e há que apanhar essa mudança e saber enquadrá-la.

E depois é saber ouvir, capacidade de escuta ativa, a capacidade de ter abertura para poder partilhar, integrar equipas, ter ‘soft skills’ adequados. Para mim estes são os sinais da longevidade porque esta empresa mudou muitíssimo e vai continuar a mudar.

Quais as principais diferenças da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas (SCC) onde iniciou a sua carreira para a que hoje conhecemos?

As diferenças são enormes ao nível da dimensão do mercado, da concorrência. Lembro-me que nos anos 74 e seguintes o grande concorrente da cerveja era o vinho. Hoje o concorrente da cerveja também é o vinho, mas não é só, há muito mais concorrentes, pois o mercado das bebidas é muito mais alargado.

A dimensão da empresa, os estabelecimentos, a forma de distribuir, o mercado, com o aparecimento dos supermercados e hipermercados, o canal Horeca, a ligação ao futebol e à música, na década de 90, tudo isto se sofisticou. Hoje em dia os empresários de restauração são completamente diferentes do que eram há 40 anos atrás. Os portugueses mudaram completamente os seus hábitos de almoçar e jantar fora, a própria cerveja começou a ser bebida e entendida de outra forma, tudo mudou. Aliás basta olhar para a publicidade ao longo dos tempos.

É preciso saber acompanhar as tendências e estar atento aquilo que é a evolução do consumidor e adaptar-se. Foi o que as nossas marcas fizeram, alargando o seu portefólio, cervejas sem álcool, mais fortes, menos fortes, com sabores, cervejas mais especializadas, etc. No fundo é uma adaptação constante através de escuta activa do que são as expectativas dos consumidores.

“O SEGREDO DA LONGEVIDADE
NA COMPANHIA É A CAPACIDADE
DE ADAPTAÇÃO, O SABER MUDAR,
A RESILIÊNCIA, A FLEXIBILIDADE,
SEM NUNCA ABDICAR DOS
MEUS PRINCÍPIOS.”

Conviveu com 18 CEO e seis accionistas na SCC. Pode partilhar algo que tenha aprendido com algum(s) deles?

O primeiro período de accionistas privados é muito curto, de Outubro de 74 a Janeiro de 75. Depois temos o período de empresa pública, um período um pouco turbulento porque tivemos muitas administrações. Embora tivéssemos tido administradores de referência durante esse período, como o Dr. Marques de Carvalho, que foi ministro do Trabalho do Governo Mota Pinto, foi nosso presidente e director de recursos humanos e que marcou indiscutivelmente esse período.

Seguidamente tivemos o período da privatização, com o Grupo colombiano Santo Domingo, que geriu a empresa durante 10 anos (1990-2000) à distância. Sendo um grande grupo cervejeiro, tinham ‘know how’ e foi nesta altura que foi feito o acordo com a Selecção Nacional de Futebol, porque os colombianos perceberam essa ligação.

Mais tarde voltou a Parfil, um grupo de empresários portugueses constituído pela Portugália, BES, Fundação Bissaya Barreto, Olinveste e Fundação Oriente. Em 2002 e até 2008, estivemos sob a alçada do Grupo escocês Scottish&Newcastle e por fim entrou a Heineken.

Mas de todos, o accionista mais global, que mais sinergias traz ao nível de inovação, técnico, de gestão de talentos e carreiras, de valor acrescentado para a Central de Cervejas, é o Grupo Heineken.

“O ACCIONISTA MAIS GLOBAL, QUE MAIS
SINERGIAS TRAZ AO NÍVEL DE INOVAÇÃO,
TÉCNICO, DE GESTÃO DE TALENTOS E
CARREIRAS, DE VALOR ACRESCENTADO
PARA A CENTRAL DE CERVEJAS,
É O GRUPO HEINEKEN.”

Todos eles sempre respeitaram as marcas portuguesas e a sua reputação, nomeadamente a Sagres e a Luso?

Todos eles respeitaram as marcas nacionais. Para além de terem percebido que, quer a Sagres, quer a Luso, são marcas icónicas da portugalidade e a sua ligação aos consumidores, também tiveram noção do peso destas marcas na nossa estrutura de actividade.

Como qualificaria pessoal e profissionalmente as experiências internacionais que teve, nomeadamente na Colômbia e nos Estados Unidos da América?

No tempo dos colombianos tive dois estágios. Um estágio nos Estados Unidos, em Los Angeles, no distribuidor de uma marca que nós representávamos- Budweiser- e outro numa empresa de distribuição pertencente à filha do Frank Sinatra, a Nancy Sinatra. Em LA estive uns tempos com um colega porto ricanho a percorrer todos os bares e restaurantes, a verificar o ‘freshness’ da Budweiser, para que o consumidor pudesse consumir a cerveja mais fresca possível. Foi uma experiência riquíssima.

Mais tarde tive outra experiência, no Grupo Bavaria, em Medellín, na Colômbia a fazer pré-venda, para aprender como se fazia e depois implementar em Portugal.

Foi uma grande aprendizagem e uma oportunidade que o Grupo me proporcionou.

O Nuno é um diplomata nato, o que tem sido reconhecido pelos diversos convites para presidir várias associações das quais faz parte. Qual o relevo que isso tem na sua carreira?

A questão de ser um diplomata nato tem muito a ver com a minha forma de ser. Eu sou uma pessoa muito mais de pontos do que rupturas, gosto de consensualizar posições, o que não quer dizer que toda a gente tenha de estar de acordo. E isto tem a ver ainda com a questão que me colocou à pouco sobre a longevidade na Companhia. Esta questão de encontrar soluções em conjunto, pontos de aproximação, procurar consensualizar, é também aquilo que justifica e leva a minha carreira, mas também é a razão por que muitas associações me procuram para fazer parte delas, para apoiar e ajudar nesse sentido.

Há algum cargo que lhe tenha dado especial gozo?

Eu gostei de todos. Acho muito gratificante ser o primeiro português a ser Presidente da Câmara de Comércio Portugal-Holanda. A Câmara sempre foi presidida por holandeses, tem um ‘bord’ misto entre portugueses e holandeses, mas fui o primeiro português a ser eleito para presidente.

Gosto muito de ser presidente da autorregulação publicitária, que representa os anunciantes. É um órgão que permite dizer ao legislador que a autorregulação pode ir muito para além daquilo que a legislação prevê e muito melhor.

Fazer parte conselho da Prevenção Rodoviária Portuguesa também é muito engraçado.

Depois de 20 anos como Diretor de Comunicação e Relações Institucionais da Sociedade Central de Cervejas, foi nomeado em Julho Presidente do Conselho de Administração da SCC. Como vê esse reconhecimento por parte da companhia?

Depois de 47 anos de companhia com diversas funções fui desafiado para ser o Chairman (Presidente do Conselho de Administração) da companhia Sociedade Central de Cervejas. Primeiro acho que é muito prestigiante, estou muito reconhecido e agradecido. Acho que foram muito simpáticos e generosos na minha apreciação, espero ser útil nesta função, que é uma função disponível para o que o conselho de administração entender que eu faça. No fundo é o coroar de uma carreira e o reconhecimento do papel que tive na Companhia.

As pessoas hoje em dia não pensam muito em carreiras, pensam em experiências, mas é um bom testemunho de como uma pessoa que entrou com 18 anos para uma empresa para uma função completamente indiferenciada pode chegar ao topo dessa mesma empresa.

O Nuno é visto como uma inspiração para outras empresas e, sobretudo, para os mais jovens que estão hoje a iniciar a sua carreira. Que conselho dá a alguém que acaba de entrar no mundo do trabalho?

Fiz muitos acolhimentos na Central de Cervejas. Com toda a humildade, os conselhos que sempre dava a quem acabava de entrar era escutar antes de emitir uma opinião.

A escuta activa é uma forma de aprenderem, de se envolverem, é uma forma de ganhar empatia. O primeiro ‘approach’ é muito importante. “Ouçam, perguntem, questionem, mas não emitam opinião de imediato, guardem para o momento próprio. Formem a opinião depois de ouvir, não venham com opiniões formatadas”.

Não menos importante é não excluir ninguém. Eu aprendi com Alberto da Ponte, que foi nosso presidente executivo entre 2004 e 2012, uma coisa que nunca mais me esqueci: “Nunca recuses uma conversa”. Eu nunca recusei uma conversa, estou sempre disponível, aprende-se sempre qualquer coisa com uma conversa.

Depois há outra coisa, essa não se aprende na escola, que tem muito a ver com ‘soft skills’, o bom senso é importantíssimo. Devia haver uma cadeira de bom senso na faculdade. O bom senso é determinante para a felicidade das pessoas, para o dia a dia.

E, por fim, assumir tudo com paixão, com fervor, com dedicação, com profissionalismo, assumir tudo como sendo aquilo que é a sua bandeira. E foi o que eu fiz sempre na Companhia.

“ACHO QUE FORAM MUITO SIMPÁTICOS
E GENEROSOS NA MINHA APRECIAÇÃO,
ESPERO SER ÚTIL NESTA FUNÇÃO, QUE É
UMA FUNÇÃO DISPONÍVEL PARA O
QUE O CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
ENTENDER QUE EU FAÇA.”

Quais as suas principais missões para o novo cargo e qual o maior desafio?

Não é um cargo executivo. Conforme lhe referi, as minhas funções vão ser aquelas que o meu conselho de administração entender, mas essencialmente vai ser de representação nas associações, no fundo aquilo que mais valorizaram na minha carreira nestes anos todos.

Já há substituto para o seu anterior cargo?

Não, estamos em processo de recrutamento. O processo está a ser feito de forma externa, quando a revista sair pode ser que já se saiba.

Qual o futuro do sector das bebidas em Portugal?

Com desafios permanentes e com muitos produtos novos. Lançámos recentemente a Pure Piraña, uma água gaseificada, com saber a frutas e com teor alcoólico igual à cerveja, uma tendência em grande crescimento. Todos os anos são lançados produtos novos.

Temos o desafio permanente da concorrência, cada vez maior. A pandemia penalizou a categoria Cerveja, por aquilo que é o seu ADN, a convivialidade. Mas há que ser resiliente e prevejo um futuro risonho, de lançamentos, de novas experiências e sempre com foco naquilo que os consumidores querem.

Mas o futuro é muito incerto. Hoje em dia, o futuro é hoje à tarde.

“DEVIA HAVER UMA CADEIRA DE BOM
SENSO NA FACULDADE. O BOM SENSO
É DETERMINANTE PARA A FELICIDADE
DAS PESSOAS, PARA O DIA A DIA.”

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