Segunda-feira, Abril 29, 2024

ENTREVISTA Fernando Faria de Oliveira

FERNANDO FARIA DE OLIVEIRA ACREDITA QUE A MÉDIO PRAZO SE IRÁ ASSISTIR A UMA MAIOR CONSOLIDAÇÃO DO SECTOR DA BANCA – QUER EM PORTUGAL, QUER NO RESTO DA EUROPA – SEJA PELA VIA DE UMA REDUÇÃO DE ACTIVIDADES NALGUNS BANCOS, SEJA POR AQUISIÇÕES OU FUSÕES. NA ENTREVISTA À PRÉMIO, O PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE BANCOS (APB) ANALISA TAMBÉM A ACTUAL SITUAÇÃO DO SECTOR BANCÁRIO EM PORTUGAL, APONTA O CAMINHO QUE A BANCA DEVE SEGUIR PARA RECUPERAR O SEU CAPITAL DE CONFIANÇA E A SUA REPUTAÇÃO E FALA SOBRE OS GRANDES DESAFIOS QUE ENFRENTA O SECTOR.

Como descreve a actual situação da banca em Portugal?

Os bancos realizaram um trabalho intenso de reestruturação, de reforço de solidez e de resposta ao novo paradigma bancário, partindo de uma situação criada pela crise financeira global e, principalmente, pela crise da dívida soberana. Em resultado, e de forma sucinta: a recuperação da rentabilidade já apresentará em 2017 uma tendência positiva, o trabalho para redução progressiva mas mais rápida dos activos não rentáveis (NPLs) de alguns bancos está em andamento, os bancos estão melhor capitalizados e aptos a financiar a economia (sem nenhum problema de liquidez), os seus modelos de negócio estão a reorientar-se em função do novo contexto em que actuam e a melhoria da eficiência operacional traduz-se nas acções de reestruturação em curso em várias instituições.

Que razões aponta para as situações menos positivas pelas quais tem passado o sector bancário nos últimos anos?

A situação actual da banca resulta, em larga medida, do legado deixado pela crise da dívida soberana e pelo ciclo económico recessivo, muito intenso e prolongado no tempo. A banca é um verdadeiro espelho da economia. Tal significa que a sua actividade é influenciada – e afectada – pelos diferentes ciclos económicos, nomeadamente os recessivos, e a sua actuação é, em larga medida, influenciada pelas políticas de desenvolvimento económico em vigor. Por exemplo, a conjugação da recessão com uma alteração do modelo de crescimento económico – de um foco nos bens e serviços não transacionáveis para uma aposta nos transacionáveis – fez com que vários sectores económicos, como o da construção civil ou do imobiliário, responsáveis por mais de 40% das imparidades reconhecidas pelos bancos, vissem os seus mercados (como o das obras públicas) praticamente fechados.

Sem novas encomendas e, em geral, já muito endividadas, as empresas perderam a capacidade de honrar os seus compromissos e entraram em incumprimento. Isto é de uma evidência clara. Claro que há outras causas que se somam a estas: é o caso das exigências do novo quadro regulatório e de supervisão, que ocorreram em simultâneo com o nosso Programa de Ajustamento, e que introduziram novos requisitos; da excessiva tomada de risco na primeira década de 2000; das crises do BPN, BES e BANIF, que deixaram mazelas na reputação da banca em Portugal e um legado pesado de custos que as restantes instituições, que operam com normalidade no mercado, têm agora de suportar.

Como pode a banca recuperar o seu capital de confiança e reforçar a sua reputação?

Recuperar o capital de credibilidade, tão vital para um negócio como o bancário, passa por melhorias claras na ‘governance’ dos bancos, na conduta dos gestores e funcionários (mas importa dizer que a grande maioria dos bancários tem comportamentos éticos sem mácula), no aperfeiçoamento permanente da relação com os clientes, na transparência com que se opera e na promoção de boas práticas. Não pode deixar de ser este o caminho.

“APESAR DOS DESAFIOS E DAS INCERTEZAS EXISTENTES, É NA BUSCA DE SOLUÇÕES QUE PERMITAM AOS BANCOS ENFRENTAR COM ÊXITO O FUTURO QUE NOS DEVEMOS FOCAR .”

 Que balanço faz da adaptação dos bancos portugueses ao novo quadro regulatório, de supervisão e de regulação?

O balanço é claramente positivo. A resposta dos bancos ao novo quadro tem implicado um grande esforço e um enorme envolvimento de meios e custos por parte dos bancos para, como não poderia deixar de ser, dar cumprimento às novas exigências. Em termos globais, o novo enquadramento, nomeadamente o surgimento da União Bancária, teve como grande e meritória finalidade a defesa da estabilidade do sistema financeiro europeu, através do reforço da solidez dos bancos e prevenção de futuras crises, para que este possa cumprir o seu desígnio central: realizar plenamente a sua missão de financiamento da economia e de prestação de serviços de pagamento eficazes e seguros. E os bancos, apesar de ainda estarem a completar o seu ajustamento ao novo paradigma regulatório e tecnológico, estão mais sólidos (o rácio de capital é cerca de 50% superior ao de antes da crise). Importa salientar que o novo quadro coincidiu com a execução do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro e que a União Bancária surgiu no pico da recessão, levando a que os nossos bancos tivessem um ponto de partida muito mais desfavorável, em termos de rentabilidade e capacidade de atrair capital, do que os seus congéneres europeus. Entretanto, como de resto têm também defendido instituições como a Comissão Europeia ou a Federação Bancária Europeia, está-se a trabalhar numa eventual recalibragem de requisitos, por forma a permitir um mais fácil financiamento da economia.

Depois, é importante não esquecer que a União Bancária só estará completa com a conclusão do seu segundo pilar, o Fundo Único de Resolução, em plena capacidade e do terceiro pilar, o da criação de um Sistema Europeu de Garantia de Depósitos, fundamental para uma maior mutualização de riscos.

Quais os grandes desafios da banca nos próximos anos?

São inúmeros os desafios que a banca enfrenta actualmente, mas que se “arrumam” em três grandes temáticas: a recuperação da rentabilidade e reforço da solidez (essencial para atrair investidores para o nosso sector bancário), a adaptação plena ao novo quadro de regulação da União Europeia e o ajustamento dos modelos operativo e de negócio ao novo paradigma da actividade bancária. Na busca por um regresso a resultados positivos, os bancos enfrentam factores conjunturais pesados, fruto do contexto de taxas de juro negativas e do legado da crise da dívida soberana, nomeadamente os NPLs, e uma ainda escassa, embora em crescimento, procura de crédito.

Também a digitalização, que é uma oportunidade, mas também comporta ameaças, está, de forma acelerada, a introduzir mudanças estruturais drásticas quer na forma como os clientes se relacionam com os bancos, quer na operativa bancária. Entretanto, surgem no mercado, designadamente na área de pagamentos, mas também no ‘shadow banking’, novos concorrentes, como relevo para as ‘fintech’. Estas, no entanto, são também parceiros aliados dos bancos, em muitos casos. A este enquadramento junta-se um novo modelo de regulação e supervisão, com todos os custos e esforços de ajustamento que isso implica.

E como prevê que irá evoluir a banca portuguesa tendo em conta estes desafios e os tempos de incerteza em que vivemos?

Apesar destes desafios e das incertezas existentes, é na busca de soluções que permitam aos bancos enfrentar com êxito o futuro que nos devemos focar. Assistiremos a médio prazo a uma maior consolidação do sector, seja pela via de uma redução de actividades nalguns bancos, seja por aquisições ou fusões. O foco actual está na recuperação da rentabilidade (o que inclui a resolução no tempo da redução dos NPLs), na melhoria da capacidade de atrair capital, no ajustamento dos modelos de negócio, no desenvolvimento da digitalização e na conclusão de processos de reestruturação em curso em vários bancos.

“ASSISTIREMOS A MÉDIO PRAZO A UMA MAIOR CONSOLIDAÇÃO DA BANCA”

 Será inevitável uma maior concentração no sector?

A nível europeu, seguramente que essa maior concentração ocorrerá, não só porque há um excesso de capacidade e de oferta que terá de ser ajustada para uma procura que tem vindo a reduzir, como porque são as próprias autoridades europeias nesta área a promover taismovimentos. Vejam-se os exemplos do BANIF e do Banco Popular. O objectivo é haver um sistema bancário europeu com bancos pan-europeus, bancos regionais (por exemplo, o espaço ibérico) e bancos nacionais (mais propensos ao exercício de uma banca de proximidade). Em Portugal, é difícil antecipar com certeza. Existe hoje alguma sobrecapacidade que convida a consolidações, mas estas requerem capital e sinergias. Tais operações podem surgir: o nosso sistema bancário é apenas moderadamente concentrado e a concorrência existe claramente.

Uma observação adicional: as alterações tecnológicas podem vir a influenciar as tendências actualmente desenhadas.

Qual o papel actual e futuro da banca no apoio à economia e ao crescimento do país?

Em Portugal, como no resto da Europa, e ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos EUA, os bancos são, de longe, a principal fonte de financiamento da economia. Os últimos anos de crise trouxeram ao de cima a necessidade de particulares, empresas e Estado reduzirem os seus níveis de alavancagem para níveis desejavelmente mais baixos. No entanto, pelo papel de intermediário financeiro que desempenha, na transformação das poupanças em financiamento, a banca tem e terá sempre um papel primordial no apoio à economia.

Há uma necessidade crescente de as famílias aumentarem os seus índices de poupança. Que papel tem a banca neste desafio? A literacia financeira deve ser reforçada? Como?

As radiografias que têm sido realizadas nos países desenvolvidos – nomeadamente por parte da OCDE – mostram que, no que aos níveis de literacia financeira diz respeito, há um longo caminho ainda a percorrer. Portugal não é excepção e, por essa razão, o trabalho na área da educação financeira não pode senão prosseguir, tendo o sector bancário um papel fundamental nesta área. O trabalho que tem sido desenvolvido pelos bancos, directamente e através da APB, e pelos supervisores do sector financeiro – Banco de Portugal, CMVM e ASF – visa precisamente incrementar a literacia financeira, apostando forte nos jovens como um dos motores fundamentais para que se consiga uma alteração de fundo na sociedade e uma mudança profunda de comportamentos. É do interesse de todos que tenhamos cidadãos mais informados. E nesta matéria, a consciência da importância de se ter hábitos de poupança é absolutamente fundamental.

PERFIL

Fernando Manuel Barbosa Faria de Oliveira, de 76 anos, é casado e tem três filhos. Natural de Lisboa, licenciou-se em 1965 em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior Técnico.
É actualmente Presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), cargo que ocupa desde 2012, membro do ‘board’ da Federação Bancária Europeia, do conselho consultivo do Banco de Portugal e do conselho consultivo da CMVM.

Anteriomente, Faria de Oliveira foi Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos (2008-2011), Ministro do Comércio e Turismo (1990-1995), Secretário de Estado Adjunto e das Finanças (1989-1990) e Secretário de Estado das Finanças e do Tesouro (1988-1989).

É professor convidado pelo Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais (IESF), tem várias condecorações nacionais e internacionais e foi distinguido como “Personalidade do Ano” pela Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil (São Paulo), em 2009, e pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira (Lisboa), em 2012.

Francisco Salgueiro

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