Monday, April 29, 2024

Entrevista a Ana Gomes

Sofia Rainho

1. Os acordos alcançados pela Presidência Alemã mesmo na recta final do mandato esvaziaram a Presidência Portuguesa da União Europeia?

Não acho que a presidência portuguesa tenha ficado esvaziada. É imensa a quantidade de problemas que já se adivinham no plano europeu para resolver neste semestre. Dou alguns exemplos: a incerteza criada pelo acordo de última hora entre a União Europeia e o Reino Unido. É um acordo que vai trazer inúmeros problemas. Foi alcançado numa situação quase limite, como se viu, perante a ameaça visível de caos e violência na fronteira franco-britânica.

Esse retrato, a fazer lembrar uma velha Europa, ninguém o quer. Nem os britânicos. Perderam-se anos preciosos em penosas e infrutíferas negociações, ao ritmo dos solavancos da política interna britânica e dos ziguezagues do partido conservador. O acordo do Natal foi um penso rápido para estancar uma situação que ameaçava o caos. Muito terá agora de ser trabalhado, e a sério, entre Londres e Bruxelas. Não haverá espaço, nem tempo, para mais diversões.

A urgência do relançamento económico da Europa e da resposta à grave crise social e de emprego que ameaça todos os europeus irá obrigar a uma nova visão e a novos esforços de cooperação. Entre europeus e entre europeus e não europeus.

Outros exemplos: o inevitável relançamento da NATO e da sua componente europeia enquanto pilar de defesa. O regresso às metas do acordo de Paris.

A eleição de Joe Biden veio pôr termo a um período de retrocesso nas relações transatlânticas, que irá ser certamente revertido. Poderia dar mais exemplos: a urgência de uma regulação decente das migrações, ou os direitos humanos – ‘lato sensu’ – que estão a ser seriamente ameaçados até na Europa por movimentos xenófobos e racistas financiados por movimentos fascistas. O combate pela liberdade e pela democracia, neste momento seriamente ameaçados em alguns países do leste da Europa, inclusive dentro da UE, o combate pela diminuição das desigualdades e pela igualdade de género, por exemplo, continuarão na primeira linha da nossa atenção.

Esta presidência portuguesa da UE teve início num período particularmente difícil e desafiante da nossa história e da história da Europa. Portugal irá, certamente, voltar a mostrar as capacidades, a competência e o domínio das matérias que já demonstrou noutras ocasiões.

2. Acredita que a vacina contra a Covid-19 vai permitir começar a recuperação económica já em 2021?

Este ano de 2021, será o primeiro de uma série de pelo menos cinco anos. A descoberta da vacina da Covid-19 e os primeiros resultados já conseguidos são uma luz de esperança para a humanidade. Acredito que este ano marcará o início da recuperação e da reconstrução económica de Portugal e do Mundo. Os anos seguintes do novo ciclo serão marcados pelo efeito do investimento europeu. Portugal deve aproveitar as condições de mercado, a bazuca financeira e todas as formas de apoio, para começar a construir um novo modelo económico, menos dependente do turismo e menos dependente dos baixos salários e da precariedade. As empresas portuguesas devem reforçar a aposta na inovação, na qualificação dos seus quadros e trabalhadores, na criação de produtos de maior valor acrescentado. Ao mesmo tempo, o Estado deve melhorar as respostas no Ensino Público e no Serviço Nacional de Saúde. O SNS mostrou ser o bastião da luta contra a Covid. Sê-lo-á igualmente no combate e tratamento de qualquer outra pandemia ou tipo de doença, por mais sofisticada. O SNS deve, pois, ser acarinhado e reforçado e os seus profissionais devem ser acarinhados e o seu trabalho devidamente remunerado.

3. Qual o principal desafio dos próximos cinco anos do mandato presidencial?

O Presidente da República não governa. É eleito para ser parte activa do sistema político, usando os poderes que a Constituição define. O PR deve usar a magistratura de influência em toda a sua extensão, com total independência de quaisquer interesses, económicos, partidários ou relacionais, para garantir que todas as instituições da República funcionam. Que existe saúde, educação, segurança, justiça, habitação, segurança social, serviços públicos para todos. E que ninguém pode ficar para trás.

Partilhe este artigo:

- Advertisement -
- Advertisement -

Artigos recentes | Recent articles

AMO and H/Advisors – A short history

It all started 22 years ago on Madison Avenue. Three of the world’s most senior financial PR professionals met to discuss a ground-breaking alliance, that would change the shape of the communications industry.

A conversation with Henry Kissinger

Over two days in late April 2023, The Economist spent over eight hours in conversation with Dr Kissinger. Just weeks before his 100th birthday, the former secretary of state and national security adviser laid out his concerns about the risks of great power conflict and offered solutions for how to avoid it. This is a transcript of the conversation, lightly edited for clarity.

The world on the wrong path

A new geopolitical and economic order is being written through the emergence of China as an economic, military and diplomatic superpower and threatening the status of the United States. We are heading towards a multipolar world in which the search for strategic autonomy is changing the dynamics of international trade for the worse. Nothing will be more determinant to the world’s destiny over forthcoming years than the relationship between Beijing and Washington. Europe risks being a mere bystander.

Mais na Prémio

More at Prémio

- Advertisement -