Sofia Rainho
1. Os acordos alcançados pela Presidência Alemã mesmo na recta final do mandato esvaziaram a Presidência Portuguesa da União Europeia?
Acima de tudo, o que esvazia o posicionamento de Portugal nesse contexto é o permanecermos os pedintes da Europa, mesmo após décadas de fluxo contínuo de fundos europeus, permanentemente desperdiçados. Éramos pobres quando entrámos no contexto de 12 Estados-membros, continuamos hoje pobres e a piorar no ‘ranking’, no contexto de 27 Estados-membros. Nessa posição, nunca haverá capacidade de iniciativa e liderança efectivas, independentemente dos desafios que se apresentem.
Ter sido possível atingir, nesta Presidência alemã da UE, resultados definitivos nas negociações para o Brexit, para a “bazuca europeia” ou para a vacinação Covid a nível europeu são boas notícias. Durante uma vigência da Presidência da UE por António Costa seriam de esperar resultados piores, uma vez que vimos que, com o Primeiro Ministro, seriam dispensáveis critérios de respeito do Estado de Direito para atribuição de fundos europeus (tal como deixou claro na visita que fez a Viktor Orbán), ou poderia sobrepor-se uma desconfiança ideológica quanto ao papel dos privados no combate à pandemia, por exemplo.
Há, no entanto, um conjunto de enormes desafios durante os próximos meses para a UE, nomeadamente quanto ao desenvolvimento do plano de vacinação e, acima de tudo, quanto a tornar efectivo, o mais rápido possível, o regresso à normalidade nos e entre os Estados-membros.
2. Acredita que a vacina contra a Covid-19 vai permitir começar a recuperação económica já em 2021?
Acredito que poderá ajudar a mudar o paradigma da abordagem que temos visto nos últimos meses, em que os governantes se focaram quase exclusivamente na resposta à pandemia e nos indicadores Covid, esquecendo ou pior, submetendo, tudo o resto a esse paradigma.
Foi o apelo ao medo que tornou possível a muitos Estados fazê-lo, nomeadamente Portugal, mesmo quando as medidas tomadas eram ilegais, desnecessárias ou desproporcionadas (tal como é alertado num recente relatório do IDEA – International Institute for Democracy and Electoral Assistance) ou quando o efeito dessas acções ou da viragem de foco era atentatório de outros aspectos essenciais, tais como a saúde não-Covid, a sobrevivência do tecido económico, a manutenção de níveis mínimos de conforto e rendimento para as famílias, os direitos, liberdades e garantias das pessoas.
Contribuindo a vacinação para uma mitigação do medo da população quanto à pandemia, deverá então permitir um recentrar das atenções no problema do “tsunami” de destruição social e económica que já se sente e se agravará em 2021.
No entanto, não será a vacinação que levará à recuperação económica; serão os Portugueses, que poderão estar vacinados, mas nada poderão fazer se não estiverem libertos do peso excessivo do Estado e capacitados para recomeçarem as suas vidas, terem iniciativa, criarem, investirem e contratarem. Por isso é essencial que a grande prioridade da “bazuca europeia” seja o de começar a devolver o poder às pessoas, nomeadamente por via do alívio fiscal e do estímulo directo ao investimento e à contratação. Infelizmente, temos ouvido prioridades trocadas nesse aspecto, com ideias megalómanas de grandes projectos e obras públicas (hidrogénio, aeroporto do Montijo, etc.), ou investimento (sempre perdido) nas empresas continuamente encostadas ao Estado (sendo a TAP o exemplo recente mais paradigmático).
3. Qual o principal desafio dos próximos cinco anos do mandato presidencial?
Contribuir para a única esperança de futuro que podemos ter, que passa por tornar Portugal mais liberal. Devolver o poder aos cidadãos, em vez de continuar a concentrá-lo no Estado. Sejamos claros, se não fizermos isso, se não mudarmos o rumo que temos tido nas últimas décadas, o nosso destino será uma nova bancarrota, já num horizonte muito próximo.
As políticas estatistas e centralistas das últimas décadas, de mais poder e controlo do Estado, levaram a um País totalmente estagnado do ponto de vista social e económico, um País totalmente bloqueado e incapaz de sair “da cepa torta”.
A subida contínua do esforço fiscal retirou capacidade de poupança e investimento aos Portugueses; as teias burocráticas impedem qualquer iniciativa; as cadeias de dependência de empresas encostadas ao Estado matam as oportunidades de quem quer vingar num mercado concorrencial; as derivas autoritárias põem em causa os mais básicos direitos fundamentais dos cidadãos. Em cada exemplo destes, o desafio é tomar o rumo contrário, de libertação e devolução do poder às pessoas.