Sábado, Abril 20, 2024

Os desafios dos próximos líderes europeus

As ameaças internas

A curto prazo, a maior ameaça é a do populismo – os partidos desse espectro são invariavelmente eurocéticos ou anti-europeus e podem ganhar até 30% dos lugares no próximo Parlamento Europeu. Tão grave como isso é o aumento do número de governos nacionais com uma postura hostil a Bruxelas. Se esta tendência se mantiver, será difícil ou mesmo impossível fazer a União atingir os seus objetivos de maior. 

A deriva da política para os extremos é uma realidade em muitos países, com consequências preocupantes: mesmo nos partidos que não se assumem como eurocéticos, o discurso resvala facilmente para ataques velados à UE. Para combater isso, é fundamental ir à raiz do problema.

E ela está na questão da desigualdade. A última década teve consequências dramáticas no agravamento do fosso entre o sul e o centro/norte da Europa e a inflexibilidade de Bruxelas ajudou muito a aumento deste ressentimento. Embora os dados do World Economic Forum apontem para uma redução da desigualdade a partir de 2016, ela não ocorreu em todos os países e foi tão suave que não terá chegado à maioria da população visada. E isso tem consequências – o facto de a Itália ser um dos países onde a desigualdade aumentou ajuda a explicar o crescimento do populismo nas últimas eleições. A verdade é que a recuperação financeira ainda não ocorreu e os salários continuam em níveis pré-crise, o que aumenta os problemas de quem é menos qualificado e dos países com populações envelhecidas, como aponta o estudo sobre desigualdade apresentado pela OCDE em 2017.

Este é um desafio que não se resolve depressa e que exige duas coisas: por um lado uma política fiscal de ataque aos paraísos fiscais e a imposição de maiores taxas sobre os mais ricos; por outro, uma solidariedade inter-estados que será difícil de atingir na atual União Europeia. Para isso muito teria de mudar e o comprometimento dos países ricos teria de aumentar – algo que é impensável num momento em que já é preciso tapar o buraco provocado pela saída dos britânicos.

As ameaças externas

Por falar na saída dos britânicos, o Brexit é sintoma de um dos maiores problemas geopolíticos atuais: a desglobalização. Esta onda tem encontrado expressão no Brexit, nas guerras comerciais provocadas pela Casa Branca de Trump e nos tratados sem representação de instituições internacionais (como o acordo EUA/Coreia do Norte ou a aliança Síria/Rússia). Estas abordagens políticas tentam limitar o mercado que, esse sim, é cada vez mais global. 

A verdade é que o fracasso conhecido do Brexit acaba por confirmar a União como uma força estabilizadora e proveitosa para os seus membros, o que lhe confere estatuto internacional. Mas, ao mesmo tempo, projeta fraqueza estrutural que dificulta a sua afirmação no mundo – especialmente com os Estados Unidos tão pouco interessados em manter as alianças tradicionais.

E aqui entra em jogo a outra força dominante no século XXI: a China. Num mundo globalizado, a questão não se coloca em ter ou não relação com a superpotência asiática. Coloca-se apenas se essa relação deve ser dominada pela União ou dispersa pelos vários países. A última cimeira UE/China terminou de forma demasiado vaga para dar grandes esperanças aos defensores de um movimento encabeçado por Bruxelas – o que dá força à diplomacia chinesa que se especializa cada vez mais numa política de atração país a país, como bem conta Bruno Maçães no seu último livro (Belt and Road).

Salvo qualquer conflito internacional de monta, o papel da União Europeia a nível global vai jogar-se na relação com estas potências. Não se tratará tanto de trocar um aliado histórico (os EUA) por um parceiro comercial mais vantajoso (a China), mas sim de ver até que ponto é que o processo consegue ser liderado por Bruxelas e não pelas capitais nacionais. 

O desígnio da década

A Comissão europeia elegeu como desígnio da próxima década o investimento em ciência e em tecnologia, consagrando no orçamento para 2021-2027 uma alínea de 100 mil milhões de euros para a inovação, investigação e ciência.

Há razões fortes para isso: a Europa não é dominante nas tecnologias que estão a marcar a revolução digital e precisa de reforçar o investimento e a determinação para recuperar o tempo perdido. Para isso há uma estratégia tripartida que tem de ser continuada: garantir a coesão do mercado único digital, o que vai implicar com a adoção do 5G e com a definição de regras claras; a criação de padrões claros para as várias indústrias digitais (internet das coisas, blockchain, inteligência artificial, etc.); e a aposta em poder computacional capaz de processar toda a informação necessária aos mega-projetos científicos, que vão da exploração espacial à biotecnologia e passam ainda pela física fundamental.

Mas há outra face que importa destacar. Foi objetivamente a Europa que inaugurou a era de controlo dos gigantes tecnológicos, com a introdução do GDPR, da diretiva sobre os direitos de autor e com multas às práticas monopolistas. Esta tendência deverá continuar e alastrar a outras áreas científicas e tecnológicas. Até porque é importante fazer notar que a regulação é também uma forma de estimular a inovação: ao definir barreiras à forma como os gigantes tecnológicos podem atuar, está a criar dificuldades no acesso ao mercado europeu a quem vem de fora (dos EUA e da China) e ao mesmo tempo a estimular o aparecimento de empresas que incluam os princípios regulatórios desde a sua génese. Isto será muito claro na inteligência artificial: os princípios éticos definidos vão passar a lei e só quem os cumprir terá acesso ao mercado único europeu, o que se pode revelar determinante para as empresas tecnológicas europeias.

Nas próximas páginas da Prémio, fique a conhecer os principais candidatos portugueses às eleições europeias e as suas ideias para o futuro da Europa, que irão influenciar não só o futuro do nosso continente, mas também o nosso papel no mundo durante os próximos anos.

Diogo Queiroz de Andrade
Diogo Queiroz de Andrade

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