Sexta-feira, Março 29, 2024

José Mário Vaz: “O Voto tem um papel fundamental na Democracia”

José Mário Vaz, Presidente da Guiné-Bissau

EM ENTREVISTA À PRÉMIO, JOSÉ MÁRIO VAZ FEZ UM BALANÇO DO SEU MANDATO, DESTACANDO A CONQUISTA DA PAZ E DA LIBERDADE NA GUINÉ-BISSAU E A IMPORTÂNCIA DE CONTINUAR A LUTAR PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PAÍS DE IGUALDADE, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO, NAS SUAS VERTENTES EDUCACIONAL, DE SANEAMENTO, SAÚDE E ECONÓMICO. O ACTUAL PRESIDENTE DA REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU E CANDIDATO ÀS PRÓXIMAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS, MARCADAS PARA NOVEMBRO PRÓXIMO, APELA AO VOTO E RELEMBRA O DEVER DO CIDADÃO EM EXERCER ESSE DIREITO DE CIDADANIA.

Que balanço faz do presente mandato?

O balanço que faço do meu mandato é necessariamente positivo.

Em 2014 encontrámos o país numa situação difícil e com muitos desafios. O objectivo primeiro era trabalhar para devolver a normalidade e encontrar a solução para todos os desafios, tais como criar condições para a paz civil, tranquilidade interna, liberdade e estabilidade.

Penso que conseguimos, apesar de todas as tentativas exteriores e interiores, de todos os interesses inconfessáveis que procuraram manter a Guiné-Bissau ingovernável.

Depois da abertura democrática, como sabe, o país continuou a viver à sombra da violência e de abusos do poder e por isso houve em vários momentos interrupção da normalidade constitucional.

Como é sabido, nenhuma legislatura se cumpriu integralmente e, até este mandato que agora termino, podia dizer–se o mesmo sobre a função presidencial: nenhum Presidente da República tinha cumprido o seu mandato até ao fim, nos termos previstos pela nossa constituição.

Inverter o estado de coisas, nestes cinco anos, foi a minha grande preocupação enquanto Presidente de Todos os Guineenses. O Estado é património de todos e não apenas de uma pequena elite. Esta foi sempre a minha luta e a razão de tanta incompreensão e de tantos ataques da referida pequena elite à figura institucional do Presidente da República. Esses ataques prendem-se com a intransigente defesa que sempre fiz dos interesses da Guiné-Bissau e do seu Povo.

Hoje e como sempre ao longo destes cinco anos, pautei-me por ser o Presidente de Todos os Guineenses, um Presidente eleito na expectativa de mudanças profundas no país e na vida do nosso povo continuo a lutar.

Foi para isso que os Guineenses me elegeram, para mudar e dar novo rumo ao país, falando sempre a verdade, trazendo a paz civil, tranquilidade interna e bem-estar para cada família, para cada cidadão, devolvendo aos Guineenses a esperança de uma vida digna.

Mas houve momentos difíceis durante este mandato. Acha que os Guineenses não o souberam compreender?

Os momentos de crises político-
-institucionais
que vivemos inscrevem-se no quadro desta minha luta pelo primado da lei e pela igualdade dos cidadãos, não podendo haver um grupo que seja detentor de todo o poder e de toda a riqueza e a maioria dos nossos irmãos Guineenses apenas com deveres e condenados à subserviência e a viver dos “restos” dos outros. Este nosso país tem de ser de todos e para todos, não pode haver cidadãos de primeira e cidadãos de segunda.

Respeito todos os partidos políticos, respeito todas as confissões religiosas, todas as origens não importando o número de integrantes de cada uma. As minhas convicções pessoais nunca estiveram à frente da minha condição de Presidente da República.

Para o bem da maioria e sacrificando a minha tranquilidade decidi lutar contra os interesses instalados que impediram a Guiné-Bissau de avançar nos últimos 46 anos.

Destaco, sobretudo, a luta contra a corrupção e daí o meu apelo ao “Dinheiro do Estado no Cofre de Estado”. Outros desafios tais como a erradicação da pobreza, a educação das crianças e a auto-suficiência alimentar constituíram e constituem também a grande preocupação enquanto Presidente da República. 

Foi para ajudar a cumprir este desiderato, realizar a igualdade e a justiça, que, há cinco anos, o cidadão José Mário Vaz, um cidadão que ama a sua Terra, assumiu o cargo de Presidente da República.

Os Guineenses souberam e sabem compreender-me. Alguns interesses instalados e outros que querem instalar–se é que não. E grande parte da ajuda à instabilidade veio de países que acreditamos ser amigos, mas que estão mal informados.

Passados cinco anos, a nossa Guiné–Bissau é um país de Paz Civil, de Tranquilidade Interna e de Liberdade. As imagens do passado transmitiam conflitos, espancamentos, assassinatos, prisões arbitrárias, violência, terror e comoviam o mundo. Muitas vidas foram perdidas por divergências políticas.

Qual o objectivo que mais lhe tenha dado gosto cumprir?

Foi a conquista da Paz e da Liberdade para o nosso povo, algo impensável no passado.

A Paz e a Liberdade não são palpáveis, mas são visíveis. E nós os Guineenses sentimos na vivência do nosso dia-a–dia essa Paz e a Liberdade com que coabitamos nas nossas casas, com os nossos vizinhos, nas bancadas e até mesmo nos convívios familiares e sociais, com total liberdade de dizer publicamente o que pensamos em qualquer lugar sem que a nossa opinião se transforme num pesadelo como foi no passado.

Devemos defender e preservar esta conquista que muito nos custou. A Guiné-Bissau construiu o caminho da Paz e da Liberdade, agora temos que percorrer o caminho do desenvolvimento.

A primeira cabe ao Presidente da República, às Forças Armadas, às quais muito temos de agradecer, ao Governo e ao Povo, claro.

Depois da conquista que foi o caminho da Paz e da Liberdade, estamos em condições de enfrentar os desafios da erradicação da pobreza e de auto-suficiência alimentar através de muito trabalho, determinação e com “Mon-na-Lama”, eu acredito que conseguiremos tudo o que sonhamos para a nossa terra e para o nosso povo.  Esta já é uma tarefa que é do poder executivo, mas na qual o Presidente deve ter um papel forte através daquilo a que chamamos a magistratura de influência.

Desde o início do meu mandato cada criança que nasceu conheceu uma sociedade diferente, ou seja, um país sem violência. Este é o trabalho que eu fiz para dar uma nova esperança ao cidadão novo, a uma nova geração. E este é um sinal de nova esperança para o nosso país, para o nosso futuro colectivo. Esta conquista foi um trabalho conjunto de todos os Guineenses e em especial, repito, das nossas Forças de Defesa e Segurança, os nossos Militares e Paramilitares, cujo papel foi determinante para a Guiné de Paz e de Liberdade que hoje vivemos. Enquanto Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, sinto-me orgulhoso pelo contributo que prestei a esta causa nacional.

Qual ou quais os objectivos que ficaram por terminar?

Ainda falta muito por fazer, mas o mais importante é manter o que conquistamos com muito sacrifício. E ao longo destes cinco anos permitiu-nos fazer um grande exercício democrático, embora ainda numa situação frágil conseguimos manter a união, a coesão e a solidariedade entre os Guineenses.

Acredito no meu país, esta Guiné onde todos testemunhámos a mudança nestes cinco anos e proponho a todos os Guineenses que continuemos a trabalhar juntos, para construirmos um país de Igualdade, Justiça e Desenvolvimento, nas suas vertentes educacional, de saneamento, saúde e, claro, económico.

Qual é para si a importância do voto?

Apelo aos Guineenses em qualquer acto eleitoral para que votem sempre em consciência, pois o voto é uma escolha individual, mas deve ter em conta o que será melhor para todos, porque o resultado das eleições irá afectar a vida de todos, individual e familiarmente.

O voto tem um papel fundamental na democracia, é, mesmo, a sua semente. Por isso, o cidadão deve ter a consciência da sua relevância no processo democrático do seu país, e nunca deixar de exercer esse direito de cidadania.

Votar é honrar a nossa Bandeira, os heróis tombados em combate na luta pela independência e ser dignos da nossa Pátria.

Incentivar a participação eleitoral, por todo o mundo, tem sido um desafio e levar os mais jovens a votar parece ser cada vez mais difícil. Essa tem sido uma questão na Guiné-Bissau? Como acha que se conseguem atrair as populações mais jovens para a actividade política?

A maioria da população da Guiné–Bissau é jovem e é determinante a participação dos jovens – a par dos Guineenses em geral – no pleito eleitoral. A não participação massiva dos jovens na política poderá dever-se a falta de referência nas elites políticas. Hoje as nossas elites políticas não lutam pelas causas, mas sim pelos interesses pessoais, de um grupo ou da família. Não sendo a luta pelo bem comum, isso desencoraja muitos jovens no momento de votar, porque sentem que o seu voto, ao invés de contribuir para a mudança que todos desejamos, vai manter os ‘status quo’ existentes há mais de 46 anos.

Tendo a Guiné-Bissau uma grande população a residir em zonas rurais, como garantir a inclusão dessas pessoas nas eleições?

Nesta questão o papel do Executivo é essencial, para permitir criar condições de não exclusão de qualquer Guineense que queira exercer o seu direito. O direito a exercer o voto não pode ser negado a nenhum Guineense por dificuldades ligadas a infra-
-estruturas ou de outra natureza burocrática/administrativa.

As eleições Presidenciais de 2019 são marcadas por uma multiplicidade de candidatos. Acha isso benéfico para a democracia?

Sim, porque a multiplicidade de candidatos, poderá significar mais e melhores projectos para o nosso povo e para o nosso país. Cabe assim a cada cidadão eleitor fazer a sua escolha em consciência e em função das propostas apresentadas pelos candidatos.

O que é importante é que haja liberdade de voto, recenseamento correcto e actualizado e que o povo saiba que a Guiné está acima de tudo. Os interesses daqueles que vivem da corrupção do aparelho do Estado, das ligações internacionais a negócios menos transparentes e protegem interesses de certas elites guineenses contra outros não devem merecer o voto popular. Todos os restantes são bem-vindos.

Quais os principais desafios, caso vença as eleições, para um próximo mandato?

Manter as duas grandes conquistas destes últimos cinco anos do mandato e, com a magistratura de influência legitimada pelo voto popular, influenciar o Governo para dar aos Guineenses aquilo que mais ambicionam: saúde, educação e auto-suficiência.

Se conseguirmos manter a Paz e a Liberdade as condições estarão, também, criadas para uma magistratura de influência direccionada para o crescimento e desenvolvimento económico.

Neste sentido, entendo que o país deve concentrar-se na economia verde, ou seja, fazer uma forte aposta na agricultura, a fim de resolver alguns problemas como a auto-suficiência alimentar e o combate à pobreza.

Reforço a necessidade de maior aposta na vigilância do princípio “Dinheiro do Estado no cofre de Estado”, a fim de direccionar uma boa fatia dos recursos deste para melhorar a Educação, Saúde e Infra-estruturas, não permitindo que se percam em bolsos de terceiros.

Reforçar os laços de amizade e de cooperação com os nossos parceiros bilaterais e multilaterais para bem dos nossos respectivos países e povos.

Esta amizade não pode, em momento algum, ser entendida como servência ou permitir ingerência na política interna. A Guiné-Bissau, através da luta armada, com o sacrifício de muitos dos seus filhos, conseguiu derrotar aquelas que, ao tempo, eram as forças militares do colonizador e tem a obrigação de honrar os seus heróis.

Reciprocidade é a palavra chave nas relações internacionais.

Caso vença as eleições de 24 de Novembro, como gostaria que a sua Presidência fosse recordada em 2024?

Como um Presidente diferente e como um Presidente de Paz e de Liberdade que consegui consolidar a Paz e Liberdade na Guiné-Bissau e colocou um fim ao ciclo da violência no país.

Um Presidente próximo de todos os Guineenses e que luta lado a lado em defesa dos mais carenciados. Um Presidente de mãos limpas, que nunca enriqueceu à custa do Povo, que sairá um dia da Presidência com o mesmo dinheiro com que entrou, e espero que seja uma referência para a nova geração dos políticos comprometidos com o futuro da Guiné-Bissau e com o povo. 

Quer deixar uma mensagem aos Guineenses?

Agradeço a todos os Guineenses que me acompanharam e encorajaram ao longo desta caminhada, que não foi fácil, pois só juntos conseguimos chegar onde estamos hoje. Sozinho não o conseguiria fazer. A caminhada não terminou e conto com todos para prosseguirmos juntos rumo ao segundo mandato.

Todavia, não poderia também esquecer todos os que, com seriedade, me criticaram ou de mim discordaram ao longo destes cinco anos. Deixo um agradecimento pelo facto de participarem activamente na prática democrática. Não posso é aceitar que discordar signifique insultar, denegrir, difamar. Peço que me acompanhem nos próximos cinco anos com maior maturidade e elevação nas suas opiniões, porque a Guiné-Bissau é de todos e para todos e ninguém deverá ser excluído neste exercício democrático na luta pelo bem comum.

O caminho faz-se caminhando e muitas vezes com espinhos no nosso percurso, mas quando se luta pelo bem da maioria e com convicção, os obstáculos são ultrapassáveis. Termino com um enorme “obrigado a todos Guineenses” e com o pedido para que vão votar.

A título de exemplo e revisitando o período entre 23 de Junho de 2014 e a presente data posso dizer, orgulhosamente, que o nosso país mudou:

• Durante os cinco anos do meu mandato não houve um único tiro nos quarteis ou qualquer golpe de estado;

• As questões de desrespeito pelos direitos humanos hoje não se colocam, porque não há registo de violações

de direitos humanos. Isso incomodou muita gente e em muitas ocasiões houve tentativa de manipular e de “inflamar” a opinião pública nacional e internacional, através de envio de fortes mensagens para a comunidade internacional e para os nossos irmãos da diáspora, através de forte campanha de desinformação e até ao ponto de fazer apelos à desobediência civil e incentivos à violência e à insurreição militar;

• No nosso país há total liberdade de imprensa, de expressão e de manifestação. Essa liberdade até tem sido

abusivamente usada em campanhas de difamação e injúria contra o mais Alto Magistrado da Nação, algo que era impensável antes do meu mandato como Presidente. Mas a tolerância é apanágio deste cidadão que dirige um povo com justiça e bom coração. Estas foram as verdadeiras mudanças;

• Durante o meu mandato acabámos com a prepotência e o velho princípio de quero, posso e mando “bu sibi

mê quim ku na papia ku el” ou “bu sibi a mi i kim”?;

• Tenho dito que os meus maiores legados são a Paz e a Liberdade. Durante o meu mandato os Guineenses,

finalmente, conheceram dias e noites sem sobressaltos e sem medo, porque ninguém foi morto ou espancado, nem tivemos crianças órfãs ou mulheres viúvas por questões políticas, não houve prisões arbitrárias, já não temos exilados políticos como no passado e acabaram-se as perseguições por questões políticas ou por alguém discordar de alguma decisão ou opinião.

Sofia Arnaud

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