Joana Petiz, Diretora do Dinheiro Vivo
Mais de 1300 trabalhadores subtraídos de uma empresa em oito meses, entre rescisões por mútuo acordo, reformas antecipadas, pré-reformas e despedimentos. Os números impressionam e são capazes de dar azo à indignação maior de quem tem abanado a cabeça em desaprovação e choque pelas 400 saídas anunciadas da Galp de Matosinhos. Ou de quem já se esqueceu que o mesmo aconteceu, em janeiro, quando a EDP encerrou a central a carvão de Sines, com efeitos semelhantes em recursos humanos dela direta ou indiretamente dependentes. Uma “vergonha” que merece “uma lição exemplar” pela falta de humanidade, disse sobre a Galp o mesmo responsável político que, enquanto gestor de uma empresa pública, assinou a decisão de dizer adeus a três vezes mais funcionários do que qualquer das energéticas.
Nos primeiros oito meses deste ano, a TAP negociou a saída de três vezes mais pessoas do que a Galp ou a EDP. A que se somam outros 1900 subtraídos à força de trabalho da companhia aérea portuguesa desde que o Estado voltou a sentar-se aos comandos. As 3200 saídas em cerca de um ano fazem parte de uma gestão de emergência da transportadora, um mal terrível mas necessário para garantir a sustentabilidade da companhia em tempos de covid. O que não reduz a dimensão do drama social, mas justifica-se pelas circunstâncias – tal como acontece com as energéticas, apanhadas entre a pandemia e os seus efeitos diretos e a aceleração da nova ordem mundial para a descarbonização da economia, ditada por Bruxelas e acolhida com entusiasmo pelos governos e pelos europeus em geral, conscientes da importância da transição climática para um melhor ambiente. Fatores que contribuíram igualmente para a queda a pique na procura de combustíveis.
Impulsionador maior da eletrificação verde da economia, o ministro do Ambiente não teve dúvidas em saudar como boas as notícias do fim da refinação de petróleo em Matosinhos, chegando a aventar a possibilidade de aquela unidade ser transformada para refinação de lítio. E ainda que revelasse preocupação com “o destino dos trabalhadores afetos àquela unidade industrial”, lembrava Matos Fernandes, logo em dezembro, quando foi anunciado o encerramento, o papel que do Fundo Europeu para a Transição Justa podia ter na mitigação desses efeitos sociais, havendo 200 milhões de euros reservados para Portugal no âmbito desse mecanismo, para proteger os impactos nos trabalhadores e financiar novos negócios que potenciem a transição para a descarbonização.
Também o primeiro-ministro considerou o encerramento da refinaria da Galp “um contributo muito bem-vindo para o esforço de redução das emissões de CO2”, apontando Matosinhos como “um exemplo na transição climática”, ainda que realçasse o custo de “obrigar centenas de pessoas a mudar de emprego ou a requalificar-se para novas atividades”.
Apesar de apressada pelas circunstâncias decorrentes da pandemia, nos últimos meses a Galp tomou iniciativas para minimizar esse impacto – como já o fizera a EDP -, recolocando 160 trabalhadores noutras áreas do grupo e acordando a saída com outros 60, mantendo ainda 100 no processo de desmantelamento de Matosinhos até 2024. Repito, nada disto diminui o drama dos que saem sem rumo ou reconversão. No entanto, tendo em conta que o próprio governo teve de tomar a decisão de prescindir de mais de 3 mil pessoas na TAP no último ano, não é compreensível que António Costa e Matos Fernandes venham agora rasgar as vestes quando o mesmo caminho é seguido por uma empresa privada – onde o Estado mantém uma fatia de 7%, que inclusivamente lhe rendeu dividendos de 23 milhões de euros no ano passado, que deixaram o primeiro-ministro “muito satisfeito” numa altura em que a pandemia já obrigara à suspensão temporária da atividade das refinarias de Sines e de Matosinhos, na sequência das restrições impostas para controlar a covid.
Há um ano, o World Economic Forum alertava para a destruição brutal de emprego provocada pela transição digital e pela consequente disrupção radical dos modelos de negócios e de trabalho – a quarta revolução industrial, como a organização designa a transformação em curso na economia globalizada –, acelerada por uma pandemia que deixou o mundo altamente dependente das ligações virtuais e fortemente empenhado na rapidíssima evolução para modelos ambientalmente sustentáveis. A mesma organização que em 2016 antecipava o desaparecimento de 5 milhões de postos de trabalho, avisando sobre os riscos sociais de não se agir imediatamente na formação, reconversão profissional e transformação da mão-de-obra para as competências do futuro, aponta agora a obliteração potencial de 85 milhões de empregos no mundo, até 2025.
A pandemia não só acelerou “a chegada do futuro do trabalho” como precipitou um cenário social marcado por desigualdades brutais, sublinha o WEF, alertando para a urgência de “empresas, governos e trabalhadores unirem esforços para implementar uma nova visão para a força de trabalho global”.
É precisamente ao oposto disto que temos assistido, com um Estado gordo, que por princípio penaliza e desconfia dos contribuintes – pessoas ou empresas. Um Estado que prega o que não pratica, que penaliza a iniciativa privada em lugar de a incentivar, que impõe uma suposta igualdade em vez de premiar as boas diferenças, que alimenta a oposição entre empresas e trabalhadores e que mantém preso a subsídios e esmolas grande parte do país. Um Estado que se opõe, com regras, burocracias e impostos, ao Portugal que quer fazer, que quer transformar-se e apanhar de uma vez por todas o comboio europeu.
Não fazer já a transição cultural a que obriga a transformação que estamos a viver é votar o país ao fracasso.