Quinta-feira, Abril 25, 2024

O estado da arte da diversidade que beneficia, mas (ainda) intimida

Mariana Branquinho da Fonseca, Board Member PWN Lisbon

No contexto do Gender Equality Awards 2020, evento internacional icónico que contou recentemente com a Professional Women’s Network Lisbon (PWN Lisbon) como parceiro estratégico em Portugal, foram anunciados os resultados do Gender Diversity Index 2020 (GDI), estudo que analisa a representatividade de género nos conselhos de administração e nos cargos executivos das maiores empresas europeias.

Nesta que foi a segunda edição do estudo, o universo de empresas analisadas foi alargado para se garantir uma representatividade mais europeia. Assim, às 600 empresas cotadas no STOXX Europe que representam 12 países europeus, foram acrescentadas as empresas cotadas nos índices de mais 6 países, nomeadamente Áustria (ATX), Irlanda (ISEQ20), Luxemburgo LUXx), Polónia (WIG), Portugal (PSI20) e República Checa (PX). Os resultados obtidos evidenciam uma evolução positiva, embora lenta, relativamente à igualdade de género para a generalidade dos países, incluindo Portugal. E porque o estudo continua a expor grandes disparidades quando se observa individualmente cada país, continua também a ser imperioso que nos debrucemos sobre a massa de que é constituída a liderança e as tendências para uma (des)igualdade de oportunidades no acesso a cargos de gestão de topo, decisivos.

As empresas cotadas em bolsa da Noruega, França, Reino Unido, Finlândia e Suécia estão mais próximas de uma liderança equilibrada, com as mulheres a assumirem funções de grande responsabilidade. As empresas da Polónia e da República Checa, por seu turno, estão longe de um equilíbrio desejável e expectável nas suas escolhas de liderança.

Vejamos os principais resultados:

• As mulheres representam apenas 28% dos cargos executivos e não executivos. Essa percentagem aumenta para 34% quando analisamos só os cargos não executivos (ao nível do Board), mas desce para 17% quando se analisam apenas os cargos executivos;
• Só 42 das 668 empresas (6%) têm uma CEO mulher. Só 130 empresas (19%) têm uma mulher numa destas funções CEO, COO ou CFO;
• O número de empresas com maior participação das mulheres no processo de decisão duplicou;
• As mulheres representaram 35% das novas nomeações e por outro lado apenas 24% das pessoas que saíram.

Estes resultados escondem realidades muito diferentes entre os vários países europeus e mesmo ao nível de cada país encontram-se empresas com resultados bastante diversos. De notar que a postura seguida pelos governos de cada país, nomeadamente a imposição de legislação sobre as quotas ‘versus’ aqueles que aplicaram medidas mais ‘softs’ (onde Portugal se inclui), também tem impacto nos resultados.

Já Portugal encontra-se, eu diria, numa posição ainda com espaço significativo de melhoria, a vários níveis. Ocupa o 13º lugar no ‘ranking’, dentro dos 18 países abrangidos nesta análise, com uma pontuação de 0,44 no Índice de Diversidade de Género (IDG) – esta pontuação é 0,12 pontos abaixo da média europeia e 0,30 pontos abaixo da Noruega, país que lidera o ‘ranking’. Portugal apresenta uma pontuação inferior à média em quase todos os indicadores do índice, com pontuações especialmente baixas para a percentagem de mulheres com cargos executivos de gestão (14%) e mulheres em comités (21%), mais de 15% atrás do país com a pontuação mais alta. De referir que fora do estudo ficaram 6 empresas portuguesas que, apesar de cotadas no PSI20, não foi possível obter a informação necessária (NOS, Pharol, REN, Semapa, Sonae e Sonae Capital).

De notar que nenhuma das empresas analisadas em Portugal tem uma CEO feminina, enquanto 6% das empresas têm uma mulher no seu conselho de administração. Apenas três (25%) empresas portuguesas (CTT, Jerónimo Martins e F. Ramadas Investimentos) têm um IDG superior à média. Além disso, quatro (33%) das empresas têm um índice inferior a 0,40. Duas das cinco maiores empresas de Portugal, a Corticeira Amorim e a Galp Energia, têm um IDG inferior ao GDI médio em 0,04 e 0,05 pontos, respetivamente. A classificação máxima da empresa em Portugal, CTT, também não tem mulheres na liderança do conselho de administração, embora estas representem 60% dos cargos de direção e do comité de gestão.

De acordo com Päivi Jokinen, Presidente da European Women on Boards – iniciativa estratégica que identifica mulheres com o perfil, o percurso e as competências com maior adequação ao desempenho de cargos de gestão de topo –, “num ambiente heterogéneo com maior diversidade de pensamento, as perspetivas são alargadas e os riscos empresariais diminuem. Ao utilizar toda a força de trabalho com toda a sua capacidade, a Europa pode assegurar a sua competitividade na economia global”. Ora, esta é a visão com a qual me identifico e se identifica a PWN Lisbon, organização em que me insiro com a responsabilidade do Programa “Women on Boards” e que tem vindo, desde a sua fundação em 2011, a contribuir para a desconstrução dos lugares comuns nos quais ainda assenta a liderança no feminino.

Ainda que a situação nos países europeus abrangidos pelo estudo seja muito diversa, na essência eu diria que o que surge inadiável ao nível da Europa não é diferente do que é preciso fazer ao nível de cada país, e em Portugal, em particular: a) educar, formar, comunicar, dar visibilidade dos bons exemplos; e b) garantir que, independentemente do género, o que prevalece é a meritocracia. Daí que o foco deva estar, não numa distinção apenas por género, mas – e tendo em conta o contexto que hoje vivemos com total sinergia com o perfil e o estilo dos líderes – nas qualidades da liderança propriamente dita.

A questão da igualdade do género é apenas um dos vários desafios com que as organizações hoje se deparam. São também questões estruturantes a integração de diferentes gerações e culturas, o acolhimento de “millennials”, as competências-chave para a permanente mudança, os novos segmentos de negócio, o crescente ambiente tecnológico, o trabalho remoto e a gestão de equipas à distância, entre outros.

A liderança assume assim uma relevância ainda maior. A liderança do presente e do futuro tem de ser mais do que nunca inclusiva, marcada por uma maior colaboração, maior agilidade e transparência, onde a segurança de cada colaborador passa a ser um tema prioritário. O líder tem de ser capaz de olhar para a individualidade de cada elemento da sua equipa, potenciar a contribuição de cada um, tirando partido dessa diversidade de pensamento ao mesmo tempo que promove uma abordagem muito mais colaborativa como garante para a tomada de melhores decisões, e assegurar a resolução dos problemas complexos.

Os resultados do Gender Diversity Index evidenciam que ainda há muito para se fazer a bem da igualdade de género. A pandemia que a todos instigou à mudança muito abrupta, introduziu uma nova forma de trabalhar que, se por um lado gerou desafios acrescidos ao nível do ‘work life balance’, por outro ajudou a provar que o trabalho à distância funciona. Seria importante sermos capazes de aproveitar este momento de tantas mudanças e adaptações, para gerar uma transformação mais determinante, com coragem para, sem qualquer medo de intimidar uns poucos, ganhar a oportunidade de beneficiar todos. 

(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)

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