Rafael Diogo, Analista Financeiro e de Mercados do Bankinter Portugal
Desde o início da pandemia que a área de Research do Bankinter mantém uma postura à qual chamamos de “otimismo fundamentado”. Apesar da enorme incerteza causada pela CV-19 nos últimos meses, defendemos que a mesma gerava um “choque de impacto” e não produziria danos suficientes para que ocorresse uma recessão, para além do ano 2020. E até agora tudo parece encaminhado para que isso aconteça; tudo aquilo que podia correr bem, correu ainda melhor do que poderíamos esperar. Destacamos seis fatores-chave para o contexto económico, que tiveram, ou se encaminham para ter, um desfecho positivo: (i) as vacinas, que chegam mais rápido do que nunca, e com altos níveis de eficiência; (ii) o desfecho eleitoral americano, com presidência democrata, mas escrutínio republicano; (iii) a forte proatividade dos bancos centrais no apoio à economia; (iv) a recente assinatura do RCEP na Ásia, que passou despercebido; (v) o segundo pacote de estímulos fiscais americano, prestes a ser aprovado; (vi) o acordo formal para o Brexit.
Se 2020 foi um ano em que os mercados foram protagonistas – com quedas no primeiro trimestre, inéditas desde 1987, recuperações fortes desde junho e com o S&P 500 a atingir máximos históricos – acreditamos que todos os fatores referidos antes, tornarão 2021 num ano em que o protagonismo irá para a recuperação económica. Por regra, os mercados adiantam-se sempre à economia. E foi isso que despoletou as recuperações fortes dos índices acionistas na segunda metade de 2020. Ora, nos próximos meses, o regresso que prevemos do crescimento económico irá dar razão aos mercados. Quanto aos fatores que ditarão o rumo da economia global, identificamos: (i) o sucesso da distribuição da vacina ao longo da primeira metade de 2021, (ii) a política americana que parece agora menos conflituosa, especificamente em relação a temas como a relação com a China e (iii) a proatividade, que deve ser mantida por parte de bancos centrais e governos no apoio à economia.
Para já, no processo de reativação da atividade económica, há um país que leva um avanço em relação aos restantes – a China. O impacto sofrido pelo vírus na China ocorreu antes do resto do mundo e a experiência na gestão de pandemias revelou-se importante. Em primeiro lugar, as medidas de contenção ajudaram a diminuir os contágios, em segundo, a cobertura pública das despesas de saúde foi crucial. Além desta destreza a lidar com o vírus, o Banco Central e o governo mantêm uma capacidade de manobra importante para implementar estímulos. Por fim, celebrou-se recentemente a assinatura do RCEP (Regional Comprehensive Economic Partnership), um acordo de livre comércio ente 15 países da Ásia-Pacífico. A negociação durou 10 anos e cobre um terço da população mundial. É mais um fator que mostra que o dinamismo económico e a tomada de decisão se deslocam cada vez mais para a região da Ásia-Pacífico.
Quanto à evolução da economia portuguesa, defendemos desde logo que Portugal seria mais impactado do que a média da UE pela pandemia. O elevado peso do turismo, níveis de dívida pública que se mantêm muito altos e um custo dessa dívida que é superior à dos países ‘core’ eram evidências disso. Ainda assim, vemos sinais positivos na evolução da nossa economia. Desde logo, os apoios fiscais têm mantido a taxa de desemprego em níveis controlados e o mercado imobiliário continua a mostrar resiliência. Ambos os fatores serão muito importantes no médio prazo, para garantir o poder de compra e a riqueza acumulada dos portugueses. Além disso, os fundos europeus constituem uma oportunidade enorme para a retoma da atividade e para aumentar de forma estrutural a competitividade da economia portuguesa – resta saber se esta oportunidade vai ser aproveitada.