Sexta-feira, Abril 19, 2024

Europa: construir em tempos de zizania

Paulo Sande, Professor Convidado do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Há uma diferença entre populismo e popularidade.
Como há uma diferença entre ter opiniões firmes e próprias, e ter apenas opiniões próprias e firmes. Ou entre ter um ideal, vivendo por uma causa, e ser fanático ou incapaz de escutar argumentos alheios.
Como uma vez me terá dito o meu pai, de uma conversa para também escutar os argumentos alheios sai-se enriquecido e mais sabedor, de uma discussão para apenas impor os nossos argumentos, sai-se mais pobre e mais burro.
E há uma diferença entre ter razão e querer ter razão. Ser tolerante e educado não implica ser incapaz de agir e de tomar posição.
Vem tudo isto a propósito da integração económica, social e política dos povos da Europa na antiga e profunda aliança a que chamamos União Europeia (UE). É possível defendê-la reconhecendo-lhe os defeitos, viver pelo ideal da sua concretização e aceitar a inelutabilidade da sua complexidade, das mudanças que o rumo seguido deve sofrer. Podemos ter razão quando dizemos – eu digo – que sem a UE seríamos todos, europeus, mais pobres, menos livres, mais zangados connosco próprios e com os nossos vizinhos; mas isso não implica condenar britânicos, ou suíços, por preferirem caminhar sozinhos, seguindo um rumo próprio, mesmo considerando que fazem mal, que fazem falta.
Ser europeu, defender a integração europeia, significa acreditar na economia de mercado, na liberdade individual, mas também na igualdade das nações, na supervisão e regulação da economia.
É uma posição clara proclamar a UE como um dos mais extraordinários feitos políticos dos últimos séculos, um louvável e visionário projecto para acabar com as guerras e construir sociedades prósperas e justas, independentes mas solidárias, em que Estados-nação independentes aceitam voluntaria e democraticamente ceder partes da sua soberania a favor de um OPNI (objecto político não identificado, como lhe chamou em tempos Jacques Delors) para acabar de vez com a guerra civil europeia. Isso não nos impede de conhecer os seus limites, de aceitar críticas ao seu funcionamento, de conceder na necessidade de abrandar ou retroceder na integração.
Não é ser populista recordar aos portugueses, como fiz há um mês num jornal nacional, que sem UE não haveria a quem recorrer numa crise como a da pandemia; não teríamos tido nenhuma ajuda na crise de 2008 (pior que a “troika” teria sido a bancarrota nacional). Sem Europa não teria havido 120 mil milhões de euros de fundos estruturais desde a
nossa adesão, que apesar de todos os males contribuíram para fazer crescer o PIB nacional de pouco mais de 50% da média europeia para os 70 e muitos actuais; e não poderia haver seja o que for que se concretize de ajuda para a recuperação das economias nos próximos anos.
A integração europeia não é hoje em dia popular; mas sem ela, seríamos mais pobres; caminharíamos sozinho; e o continente europeu, cada vez mais apenas o museu do mundo, mergulharia definitivamente no ocaso.
Vale a pena lutar pelo ideal europeu. Infelizmente, num tempo em que a ignorância dá opiniões abalizadas sobre tudo, pondo-se a par da sabedoria em nome da democracia, quando os espantalhos de um espaço público em modo circense promovem o desconhecimento e a demagogia, a luta tornou-se muito mais difícil.
Critica-se a UE por não ter sido solidária aquando da eclosão da recente crise, quando a Europa reagiu apesar de tudo bem a uma pandemia desconhecida que a afectou com grande violência. E se o BCE age com eficácia, um Tribunal Constitucional critica-o por ultrapassar os seus poderes, pondo em causa o primado da lei europeia e a independência do BCE e dos bancos centrais nacionais da zona euro no quadro do SEBC, pilares fundamentais da própria construção europeia. E ao surgir uma notável proposta para a recuperação pós-crise, logo acorrem as aves agoirentas, os “não será bem assim”, as promessas de que tudo vai falhar – e até pode, mas não por falta de querer dos europeus de boa vontade.
Não sei se a Europa sairá reforçada dos tempos que vivemos. Mas se não sair, todos ficamos a perder, Portugal na primeira linha.
E se esta prosa soa a drama é porque o drama espreita. Um drama que é toda a história humana, com alturas de tragédia, polvilhada de momentos de comédia e uma pitada de sonho.
Há uma diferença entre ser utópico e ser idealista.

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