Sofia Rainho
1. Os acordos alcançados pela Presidência Alemã mesmo na recta final do mandato esvaziaram a Presidência Portuguesa da União Europeia?
Espero que a União Europeia consiga dar esse passo. Tem-se discutido quanto é esse financiamento e sabemos que provavelmente ficará aquém do necessário. Mas é preciso discutir também para que é esse financiamento. O essencial é que estejamos prontos para realizar os investimentos de que a nossa economia precisa. Precisamos, desde logo, para responder às vítimas das consequências económicas desta crise. E precisamos de saber que não há economia sem trabalho com direitos, que é urgente criar empregos para a transição energética e que a ferrovia foi esquecida e necessita de investimento urgente. E, por fim, que tudo seja feito com transparência. Não podemos repetir os erros do passado no que toca a esta questão. Mais vale tarde que nunca. Se não foi na anterior Presidência, que seja agora.
2. Acredita que a vacina contra a Covid-19 vai permitir começar a recuperação económica já em 2021?
A possibilidade de olharmos para 2021 já com uma (neste caso, várias) vacinas que responde a esta pandemia é, obviamente, um sinal muito positivo, que nos dá esperança. Mas haverá muito a fazer. Os efeitos sociais e económicos desta pandemia fizeram-se sentir desde a primeira hora. Quanto mais fraco era o vínculo laboral das pessoas, mais elas sofreram. Precários, trabalhadores em período experimental e com contrato a prazo foram os primeiros a ser despedidos. Milhares de pessoas perderam salário ou viram o seu pequeno negócio ter de encerrar. Os profissionais de saúde, que são menos hoje do que no início da pandemia, multiplicam horas extraordinárias para responder pela nossa saúde, colocando a deles em risco. Isto para dizer que a recuperação económica é também ela fruto de opções políticas de fundo. Haverá recuperação económica sem mudanças estruturais? Eu defendo que não. Que deveríamos ter já dado o passo de mudar as leis laborais para garantir segurança no trabalho, e que deveríamos ter uma estrutura de apoios sociais extraordinários que, durante toda esta fase, não deixasse ninguém para trás.
3. Qual o principal desafio dos próximos cinco anos do mandato presidencial?
Candidatei-me há cinco anos porque era decisivo reforçar um caminho alternativo à política de ataque aos salários, às pensões e ao Estado Social da ‘troika’ e da direita. Hoje, e nos próximos anos, temos de responder novamente a algumas perguntas essenciais: temos de saber que futuro reservamos para o Serviço Nacional de Saúde, que leis laborais é que vigoram neste país, se mantemos a mesma subserviência ao poder económico, entre muitas outras. O papel do Presidente da República não é governar, é certo. Mas alguém ignora que as ausências de Marcelo Rebelo de Sousa nas lutas de quem pedia mais direitos laborais, bem como a sua forte presença na defesa dos hospitais privados e do poder financeiro não tiveram o condão de influenciar as decisões políticas sobre estas matérias? O meu maior desafio será este. Ser uma Presidente que promove acordos para reforçar o Estado Social, o SNS, as pensões, a escola pública, políticas de habitação pública, leis laborais sem a presença da ‘troika’.