Terça-feira, Abril 23, 2024

Entrevista a João Ferreira

Sofia Rainho

1. Os acordos alcançados pela Presidência Alemã mesmo na recta final do mandato esvaziaram a Presidência Portuguesa da União Europeia?

A Presidência Portuguesa nunca se poderia esgotar nas questões que foram alvos de acordos na Presidência Alemã. Há ainda importantes matérias a decidir, como por exemplo a Reforma da Política Agrícola Comum.

Mas a questão central são as opções do Governo Português em cada uma das matérias com que vai ter de lidar, seja na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores e dos povos, seja na defesa dos legítimos interesses nacionais.

Por exemplo, nos acordos já alcançados pela Presidência Alemã, além das profundas contradições e obstáculos, mais ou menos ultrapassados, há elementos que não podem deixar de merecer alguma cautela. Alerto, por exemplo, para o corte significativo nas verbas do orçamento destinadas à “coesão económica, social e territorial” e à agricultura e pescas – áreas fundamentais para o nosso País -, assim como para o aumento da contribuição nacional para o Orçamento da UE. Além disso, o Fundo de Resolução, que disfarça temporariamente estes cortes, além de insuficiente e de natureza temporária, não corresponde exatamente a uma subvenção a fundo perdido, que se exigiria, uma vez que virá provavelmente a ser pago por via de reduções de recebimentos futuros pós-2027.

Posto isto, não é indiferente a forma como serão usados os fundos. Se para responder aos graves problemas sociais do País, para reforçar e ampliar a capacidade produtiva nacional e melhorar a qualidade dos serviços públicos, para garantir os privilégios e rendimentos dos grandes grupos económicos. Se decidindo Portugal sobre eles de forma soberana, se deixando que seja Bruxelas, ou seja, os interesses das principais potências europeias, a decidir o seu destino.

Portugal, durante a sua presidência do Conselho da UE, pode contribuir para colocar em cima da mesa estas preocupações, com toda a centralidade que merecem, rejeitando inevitabilidades e as velhas lógicas de submissão. Pode contribuir, assim, para a defesa da soberania e do direito de cada Estado a decidir sobre o seu futuro, numa Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, de progresso social e de paz.

2. Acredita que a vacina contra a Covid-19 vai permitir começar a recuperação económica já em 2021?

Numa fase em que existem notícias positivas quanto a várias vacinas em fase final de desenvolvimento, importa, assegurada cientificamente a sua segurança e eficácia, garantir o acesso às mesmas a todos os portugueses. Esse é um importante passo para a defesa da saúde de todos e contribuirá, por certo, para um regresso à normalidade. Porém, estou convicto de que a necessária retoma e dinamização da vida económica, social, cultural, não pode depender exclusivamente disso.

Há respostas que tardam e podiam (e ainda podem) responder aos impactos da pandemia. Uma das lições que podemos tirar dos tempos que vivemos é de que foi o mercado interno a suster e impedir um tombo ainda maior da economia.

Ora, a ausência de medidas de defesa e de valorização dos rendimentos dos trabalhadores e das suas famílias, dos desempregados, dos reformados, ou seja, medidas que dinamizem a procura, a par de medidas que actuem do lado da oferta, dinamizando e ampliando a capacidade produtiva nacional, desbloqueando a oferta, assegurando a solvência de milhares de MPME, compromete a recuperação do País.

3. Qual o principal desafio dos próximos cinco anos do mandato presidencial?

Os problemas estruturais do País ganharam uma dimensão reforçada com a pandemia. A resposta à pandemia, com medidas de emergência, deve integrar-se na necessidade de resposta mais ampla aos problemas estruturais que Portugal arrasta há décadas, o que certamente exige uma mudança de curso na vida nacional.

O Presidente da República não pode resignar-se perante um país com o futuro comprometido e sem esperança. Pelo contrário, exercendo os poderes que a Constituição lhe atribui pode e deve contribuir para essa mudança de curso na vida do País. Como?

No momento da sua tomada de posse, o Presidente da República jura defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa. Esse juramento tem de ser levado a sério.

O País está confrontado, há demasiado tempo, com um conflito crescente entre o que está consagrado na Constituição e a realidade vivida pelos portugueses. Um conflito que resulta da acção de sucessivos governos, com a cumplicidade de sucessivos Presidentes da República, que se afastaram da Constituição e do projecto de desenvolvimento nela vertido. Neste conflito está a causa de muitos dos problemas que enfrentamos.

Por essa razão precisamos de alinhar a acção do Estado e dos seus órgãos de soberania com a Constituição da República, como meio de a alinhar com a resposta às necessidades dos trabalhadores, do povo e do País.

A valorização do trabalho e dos trabalhadores, dos seus salários, direitos, a melhoria das suas condições de vida; a melhoria dos serviços públicos, com a concretização plena do direito à saúde, reforçando o SNS, mas também do direito à habitação, ao ensino, à cultura, a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado; a garantia de perspectivas de autonomização e de realização pessoal e profissional aos mais jovens; a garantia de uma vivência gratificante para os mais idosos depois de uma vida de trabalho; o combate às desigualdades e discriminações; o aumento da produção nacional; o apoio aos micro e pequenos empresários, contra a dominação da vida nacional pelos grandes grupos económicos e financeiros. Tudo isto são objectivos inscritos na letra e no espírito da Constituição. Não podem ser letra morta nas suas páginas, têm de ser realidade na vida do País.

Com a Constituição do nosso lado, este é o tempo de, com coragem e confiança, abrirmos um horizonte de esperança na vida deste País.

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