Cecília Meireles, Deputada CDS-PP
Em Portugal, as comissões de inquérito sobre bancos e Banca tornaram-se relativamente habituais. Começaram na sequência da nacionalização de um banco em 2008, mas apesar de as crises financeira e das dívidas soberanas estarem já no passado, continuam a chegar consequências e encargos de intervenções em bancos ao erário público e, consequentemente, aos contribuintes.
Por isso, enquanto ainda houver factos que estão por apurar, dúvidas por esclarecer e contas para pagar, creio que as comissões de inquérito vão continuar a suceder-se. E continuam a ser úteis.
Em primeiro lugar, porque há muito que ainda não mudou na Supervisão Bancária. Se há coisa que foi visível nos vários bancos analisados foi a forma como a atuação do Banco de Portugal passou ao lado de muitas das causas fundamentais dos desastres que viriam a suceder-se. O padrão de cartas trocadas sem consequências, de despachos que demoram anos a vir, de decisões adiadas e de pura e simples inatividade é evidente. Aliás, o simples facto de o relatório que o próprio Banco de Portugal encomendou para analisar a sua atividade de supervisão se ter mantido secreto durante anos, e só muito recentemente ter sido entregue ao Parlamento, é um sinal da incapacidade de uma instituição de aceitar um escrutínio que é não apenas saudável como necessário. Da mesma forma, a reforma da supervisão continua a ser discutida, mas eternamente adiada. Não deixa de ser irónico que em 2017 o Ministro das Finanças tenha encomendado a uma comissão a reforma do modelo de supervisão financeira; quatro ano depois, esse Ministro é Governador do Banco de Portugal e a reforma nunca saiu do papel.
Em segundo lugar, porque não deve continuar a perdurar um clima de dúvida constante e até de suspeição sobre o sistema bancário ou sobre um banco em particular. É também por isso que é fundamental perceber a origem dos prejuízos e das perdas, e de que forma eles foram geridos nas diversas intervenções. Para fazer isso, têm de ser apuradas as diversas práticas de gestão: as que lhes deram origem, bem como as que foram lidando com as perdas e com o crédito malparado ao longo do tempo. Não é possível fazer juízos de valor sobre perdas sem perceber as suas causas. Como também não é possível corrigir gestões sem uma análise objetiva do que correu bem ou mal e dos caminhos alternativos que podiam ter sido seguidos. Isso implica conseguir distinguir as perdas que resultam da crise económica e do simples de facto de as empresas terem deixado de conseguir pagar os seus empréstimos, das perdas que resultam de más práticas de gestão de risco, má gestão ou mesmo créditos de favor que se vieram a revelar desastrosos. Nesta matéria, a existência de grandes devedores que se repetem em vários bancos e os indiscutíveis sinais de interferências políticas nalguns destes créditos são particularmente perturbadores e temos de garantir que não se repetem nem no presente nem no futuro.
Há uma última nota que tenho aqui de deixar. É que as comissões de inquérito podem e devem ter consequências. As que se devem esperar são no domínio das regras, das alterações legislativas, das decisões políticas e das práticas de gestão pública. Mas também convém deixar claro neste contexto que o Parlamento e as comissões de inquérito não são Tribunais, nem se substituem a estes. Por isso mesmo, há outras consequências – desde logo criminais – a que só a Justiça pode chegar.
(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)