David Lopes, Manager and President of AEON TOPVALU – Japan
A metáfora foi recriada pelo meteorologista Edward Lorenz, professor do Instituto de Tecnologia Meteorológica de Massachusetts, para explicar que é impossível prever fenómenos atmosféricos com muitos dias de antecedência, quando evocou, uma expressão da nossa cultura popular que diz que o bater de asas de uma borboleta, num ponto do mundo, pode criar um tufão do outro lado do mundo. Vivemos hoje, e de certa forma viveremos para sempre, dependentes dos voos dessas borboletas que silenciosamente alteram profundamente o curso da nossa história. As alterações climáticas, as catástrofes naturais (ligadas ou não a intervenção do homem no meio ambiente), as pandemias, são crises com as quais teremos que aprender a viver para sempre. Também por isso, mais do que nunca, o investimento na ciência surge como incontornável para nos ajudar a reduzir o impacto negativo dessas crises na nossa vida e no planeta.
No passado mês de Outubro, a Academia Sueca de Ciências concedeu o Prémio Nobel da Economia a três economistas (David Card – Canada, Joshua Angrist – USA e a Guido Imbens – Holanda ). David Card foi reconhecido pela sua contribuição empírica no campo da Economia do trabalho (sobretudo na análise profunda sobre a temática dos salários mínimos) e Angrist e Imbens surpreenderam o mundo académico das ciências sociais com os modelos que desenvolveram de análise metodológica de relações causais. Como pode a educação de uma pessoa influenciar o seu salário no futuro? Como pode a imigração afectar os níveis salariais e de emprego? Que efeito terá na sociedade o apoio financeiro na educação de jovens pobres e carenciados? Angrist e Imbens provam que muitas das questões da nossa sociedade podem ser mais bem entendidas e respondidas analisando e avaliando o que resulta para determinados indivíduos e grupos sociais da aplicação de políticas ou medidas públicas específicas. Confrontados com um verdadeiro “lago de dados” é fácil imaginar alguém a interpretar e a manipular dados, permitindo-se a conclusões que assimilados por decisores políticos e líderes empresariais e quando comunicados sem filtro pelos media, tornam-se a base de decisões que nos conduzem, demasiadas vezes, a olhar para o lado errado da solução. Muito ao jeito de “se torturarmos os números o suficiente, eles acabarão por confessar”. Angrist e Imbens representam assim o que muitos chamam uma “revolução de credibilidade”, usando os chamados ‘natural experiments’ e trazendo para área da avaliação científica as medidas políticas e sociais. Quando penso nisso, lembro-me sempre de uma das maiores lacunas que Portugal comete, na sua mais do que prolixa, área legislativa ao não avaliar sistematicamente as medidas e as leis que o Estado implementa. Esta avaliação, aliás prevista e exigida pela própria lei, é olimpicamente ignorada, de forma generalizada pelo vários níveis e entidades que representam o Estado Português. Se na vida de cada um de nós e da maioria das empresas bem geridas não sobrevivemos sem a avaliação e reflexão das medidas que tomamos, como é possível imaginar que os nossos recursos comuns (por definição escassos), os impostos, o investimento público, as reformas sociais, não sejam escrutinadas profundamente , permitindo-nos assim discutir factos e resultados, servindo o bem comum e o nosso futuro , sem matizes ideológicas e preconceitos.
Entretanto o vento que soprou, vindo das borboletas que iniciaram o seu voo no Oriente, aliado ao acentuar das consequências das alterações climáticas continuam a trazer-nos dados que nos devem manter muito despertos, para não dizer acordados durante a noite. Não é estranho que de forma generalizada em todo o mundo os preços dos produtos essenciais estejam a subir. Os preços dos fretes marítimos e a falta de contentores, fez disparar os custos logísticos. Os produtos com menos valor acrescentados, serão de forma garantida, os mais afectados, tornando a vida dos mais carenciados, ainda mais difícil, pois são nestas categorias de produtos e matérias-primas onde se concentram os bens essenciais. Um cenário de inflação moderada está já a ser vivido, podendo contribuir para um abrandamento na criação de emprego, o que teria implicações nos valores da retoma e do crescimento. Todos os anos muitas colheitas de matérias-primas são afectadas por questões climáticas (secas extrema ou pluviosidade excessiva ou fora de época). Também neste final de ano, produtos como o trigo, o milho, a soja e outras oleaginosas, apresentam preços significativamente mais altos do que há um ano atrás. Mas este efeito também se sente de forma muita aguda na área não alimentar, onde a escassez dos semicondutores, o aumento dos preços dos plásticos, dos alumínios e do cartão, não deixam qualquer dúvida que continuaremos a assistir a uma subida generalizada de preços que tenderá a ser atenuada por algum esmagamento de margens (por produtores, grossistas e retalhistas), mas que perdurando no tempo pode conduzir a um aumento “permanente” de muitos produtos essenciais, agravada pela crise/escassez de mão de obra especializada e não especializada. Usando a terminologia meteorológica, ficaremos por uma tempestade ou evoluiremos para um furacão?