Jaime Nogueira Pinto
As eleições norte-americanas de 2020 foram das mais tensas e bipolarizadas da história dos Estados Unidos. A imagem passada pela generalidade dos Institutos de Sondagens e dos media que davam a Joe Biden uma folgada vitória – e a provável reconquista do Senado e alargamento da maioria nos Representantes – traduziu-se em resultados muito diferentes.
Para além das suspeitas de fraude na eleição presidencial – que ficarão a pairar sobre o resultado, e com uma parte substancial do eleitorado republicano convencido de que a vitória lhes foi roubada –os republicanos não perderam o Senado e recuperaram lugares nos Representantes.
Seja qual for a impressão que vai perdurar, ou o valor das provas apresentadas, o facto é que os tribunais não deram seguimento à maioria dos recursos e protestos apresentados pela equipa de advogados de Trump, pelo que o ‘team’ Joe Biden-Kamala Harris está a formar a nova Administração e irá ficar na Casa Branca nos próximos quatro anos.
São e serão anos difíceis e também anos decisivos, não só em termos de política doméstica americana, como e sobretudo da política mundial. Um mundo de Pandemia e a braços com os efeitos político-económicos pós-pandemia: mundo em que o medo – da praga, da crise económica, do desemprego, da mudança para o desconhecido – vai pairar sobre a América e a Humanidade.
Biden está a formar a sua equipa: os nomes até agora apontados além de representantes do ‘Establishment’ costa-oriental e das administrações Obama e Clinton, e da preocupação de representação das “minorias”, não indiciam grandes alterações. Aliás, na América, os factores de continuidade prevalecem, geralmente, mesmo em tempos de crise, em relação aos factores de ruptura.
Haverá sim – para gáudio e descanso de muitos – uma mudança de retórica e de forma, com mais declarações diplomaticamente correctas, mais multilateralismo, mais coisas simpáticas. Mas a realidade é a mesma e a substância política não será muito diferente: os Estados Unidos vão ter que gerir a guerra fria com Pequim, em termos em que ela não passe a quente, na competição tecnológica, na disputa de aliados, e na resposta, sobretudo em África e na América Latina, aos avanços político-económicos chineses. Tanto mais, que a China está a tentar apressar a negociação com a União Europeia, antes que uma empossada Administração Biden corresponda aos avanços de Bruxelas e haja uma ‘Entente’ anti-chinesa dos dois lados do Atlântico.
Quanto ao resto das políticas – e tirando um gesto simpático à esquerda e aos bem-pensantes, como será o regresso aos Acordos de Paris sobre o clima – a realidade interna americana vai pesar, e muito, sobre o futuro.
O peso do eleitorado Trump, que mesmo com uma Pandemia a matar, uma economia escavacada, toda a hostilidade dos grandes media, dos académicos, do estrelato de Hollywood, dos senhores de Silicon Valley, conseguiu 74 milhões de votos, vai contar nas decisões de Biden. Que sabe que o que lhe deu uma vitória, de curta margem, foi uma coligação anti-Trump que se dissolve no dia que Trump deixar a Casa Branca. E que os Americanos não querem mais ser os guardiões da Europa, nem os polícias do mundo, nem verem as indústrias migrar para uma China de que desconfiam.
Aqui será também decisivo o comportamento de Trump; se este continuar em cena, usando a sua popularidade junto das bases do GOP para exercer pressão sobre o Partido Republicano, este poderá dividir-se. Se optar por um ‘low profile’ e um papel discreto, deixando emergir um novo líder – um Ted Cruz, um Marco Rubio – então o GOP será uma grande força no Congresso e no Supremo Tribunal, e a América nacional-conservadora terá um papel decisivo a desempenhar no país e no mundo mesmo com a Casa Branca nas mãos dos democratas.