António Filipe, Ex-Deputado do PCP
Ao anunciar que a rejeição da proposta de Orçamento do Estado na AR conduziria à convocação de eleições antecipadas, o Presidente da República estendeu a passadeira vermelha para a estratégia eleitoral do PS que, tendo apresentado uma proposta inaceitável para os partidos à sua esquerda, recusou qualquer possibilidade negocial, colocando-os perante o dilema de uma viabilização humilhante ou de uma rejeição que faria desencadear uma violenta campanha de responsabilização da CDU e do BE pela dissolução da AR.
É hoje reconhecido que o sentido de voto de muitos milhares de eleitores foi influenciado pela divulgação de sondagens que apontavam para um “empate técnico” entre o PS e o PSD que nunca existiu, mas cuja divulgação terá contribuído de forma determinante para que o PS tivesse conquistado a maioria absoluta.
A possibilidade de a comunicação social condicionar a liberdade de escolha dos cidadãos induzindo-os em erro através da divulgação de sondagens que se revelam manipulatórias, interpela muito seriamente a qualidade da democracia. Entre as ‘fake news’ de Trump ou Bolsonaro e as ‘fake polls’ divulgadas entre nós por órgãos de comunicação social presumivelmente sérios, não vai uma distância muito grande quanto aos seus efeitos.
A maioria absoluta do PS foi a vitória do medo. Foi o medo de muitos milhares de eleitores de vir a ser governados por um PSD aliado à extrema direita, que os fez esquecer que a diferença entre o PS de Sócrates e o PS de Costa não resultou de nenhuma mudança de natureza do PS, mas do facto de em 2015 o PS não ter a maioria absoluta e só ter podido ser Governo porque Jerónimo de Sousa afirmou na noite de 4 de outubro de 2015 que o PS só não formaria Governo se não quisesse e forçou a que muitas medidas de sentido positivo tivessem sido tomadas mesmo contra a vontade do PS. Muitos eleitores que em 2015 e 2019 votaram à esquerda do PS terão esquecido essa noite. Decididamente, o medo é mau conselheiro.
(Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)