Quinta-feira, Abril 25, 2024

A Universidade para o Futuro

Daniel Traça, Director da Nova School of Business and Economics (Nova SBE)

A relevância de uma educação universitária de acesso generalizado no desenvolvimento económico e social das nações é comumente aceite desde há quase um século. Faz parte do processo de crescimento económico moderno o aumento das taxas de frequência de instituições universitárias, inclusivamente para aqueles que cuja idade já ultrapassou o tempo normal de frequência das mesmas.

Em Portugal, as décadas recentes foram de enorme progresso nesse sentido. Com um esforço crescente do estado e das famílias, a frequência universitária subiu em flecha. De acordo com a Pordata, a percentagem de jovens entre os trinta e os trinta e quatro anos com o ensino superior completo cresceu de 11,1% em 2000 para 36,2% em 2019. Se olharmos para a população entre os 15 e os 64 anos, o crescimento é de 7,5% para 22,8%, no mesmo período. O número de doutoramentos por cem mil habitantes subiu de 8,3 em 2000 para 28,7 em 2015.

Portugal está, portanto, num caminho de sucesso no ensino superior. A expetativa é que, desbloqueadas outras condicionantes ao desenvolvimento económico do país, o investimento feito na educação universitária produza na economia os efeitos multiplicadores que tardam em surgir.

No entanto, como em quase tudo o que vivemos neste século XXI, a imagem de sucesso é efémera e a disrupção criada pelos choques na tecnologia, na globalização e na sustentabilidade exigem um ajustamento rápido do sistema e das instituições de ensino superior. A dificuldade em responder a uma geração simbiótica com tecnologia e redes sociais, e de desenvolver as suas competências para carreiras em empresas que enfrentam desafios competitivos de enorme magnitude, complexidade, incerteza e volatilidade, são novidades que exigem renovação e inovação às universidades portuguesas.

Os desafios são vastos. Porém, deixem-me apresentar cinco pistas para essa renovação: Em primeiro lugar, o foco no impacto. A ciência que predomina na universidade desde há muitos anos focou-se no purismo e na busca da verdade. O espaço de rigor metodológico que se exige para o progresso científico tornou-se com o tempo numa torre de marfim onde o investigador se protege da realidade. Este modelo está hoje em cheque. O financiamento que se impõe e a urgência dos desafios que carecem de solução exigem que a investigação e a educação que se desenvolvem na universidade estejam cada vez mais próximas da mudança e do progresso nas sociedade humanas para que podem contribuir.

Em segundo lugar, a abertura à sociedade. A mudança que definirá o nosso futuro surgirá a uma velocidade estonteante. Talvez seja esta a grande diferença do nosso tempo. O desafio digital não é mais complexo e transformador do que o da eletrificação, por exemplo, mas os seus efeitos disruptivos sentem-se, e sentir-se-ão, de forma muito menos gradual. Para responder a esta mudança rápida, as sociedades têm que trabalhar em conjunto, de forma harmonizada e com a humildade para aprender uns com os outros. Uma maior proximidade das universidades aos seus ‘stakeholders’ externos (empresas, associações, fundações, entidades públicas), no sentido de entender as suas necessidades e ouvir a suas sugestões, permitir-lhes-á uma maior capacidade de intervenção e impacto.

Em terceiro lugar, a interdisciplinaridade. Um dos efeitos nefastos do desenvolvimento da ciência foi a criação de silos de saber. Com o passar do tempo e o aprofundar do saber, cada investigador, cada professor passou a saber da sua área e a ignorar, e por vezes a negar, áreas científicas adjacentes. É hoje claro que tamanha especialização é contraproducente e que a resposta aos grandes desafios do nosso século exige um esforço de colaboração entre diferentes áreas de saber. Essa colaboração é hoje dificultada por disparidades de linguagem e de abordagem e, sobretudo, pela indisponibilidade e incapacidade para trabalhar com abordagens diferentes. Em Portugal, por exemplo, pede-se aos jovens com dezasseis anos para fazerem opções que marcam para sempre as suas vidas, levando-os por uma ou por outra área, sem oportunidade para manter uma abertura à diversidade. É fundamental desenvolver nos jovens – e nos menos jovens – a capacidade se de abrirem aos desafios e cooperarem entre áreas diferentes e de reconhecerem o potencial desta abordagem para endereçarem grandes desafios.

Nova SBE

Em quarto lugar, as competências do futuro. Para a quase totalidade dos empregadores, as competências em maior procura estão a alterar-se. Por um lado, de um ponto de vista técnico uma abordagem mais tecnológica é hoje exigida em todas as áreas, da medicina à linguística, passando pelo direito ou pela economia. Esta é uma tendência que remonta ao grande desenvolvimento computacional da década de 90, e que se deverá aprofundar no médio prazo. Estou, no entanto, convicto que rapidamente assistiremos ao desenvolvimento de sistemas com interfaces menos técnicos, como tivemos quando a Microsoft e a Apple tornaram o computador acessível mesmo a quem não sabe programar, e que as competências computacionais e tecnológicas que farão a diferença serão a capacidade de tirar partido desses interfaces. Talvez por isso, o rigor técnico-científico, resultado de trabalho dos alunos e de exposições professorais, é hoje menos relevante para muitas empresas que a colaboração em equipas diversas, a comunicação individual e em grupo, a criatividade para soluções originais e a coragem para tomar decisões executivas – o que chamo os quatro C´s: colaboração, comunicação, criatividade e coragem. Aqui surge o desafio maior para as universidades, tradicionalmente formatadas para pôr alunos na sala, entregar conhecimento e testar a sua aquisição: como desenvolver os quatros C´s e outras competências semelhantes? Inovar nas metodologias para desenvolver e certificar tais competências é um enorme desafio que se exige à universidade do futuro.

Em quinto e último lugar, a responsabilidade social da universidade. Está hoje patente para todos a incapacidade da nossa sociedade e das suas instituições para fazer face aos desafios que a tecnologia, a globalização e a sustentabilidade estão a gerar na nossa vida comum. Em virtualmente todas as democracias liberais, o cisma entre os diferentes setores da sociedade é crescente. O risco de desabamento da democracia é real. A necessidade de pensar novas políticas, novas instituições, novas soluções por forma a restabelecer a harmonia necessária para o funcionamento de uma sociedade liberal é urgente. E cabe às elites intelectuais, muitas delas residentes nas universidades do mundo, e todas elas formadas nessas mesmas universidades, a responsabilidade para responder a esta urgência. Sem ideias novas, o risco é o cenário negro que já conhecemos antes na nossa história.

Com um mundo em fase de disrupção acelerada, o risco de uma desadequação entre as pessoas e o seu contexto natural e tecnológico é crescente – seja a nível individual, nas nossas competências e bem-estar mental, seja a nível organizacional, na eficiência e eficácia das nossas estruturas, seja a nível social, na harmonia e estabilidade das nossas comunidades. A universidade como espaço de desenvolvimento de talento e ideias para o futuro tem um papel fundamental para recuperar esse ‘gap’. Para isso, a universidade terá de se transformar de um modelo que que perdura há séculos e que é resistente à mudança. O processo não será fácil, mas a alternativa … nem a queremos imaginar.

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