Quinta-feira, Abril 25, 2024

“A missão da editora é a salvaguarda do Património Nacional”

Entrevista a Duarte Azinheira, Diretor Editorial da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM)

Ana Valado

É considerada a editora pública por excelência, disponibilizando conteúdos de forma universal e gratuita, sendo um veículo privilegiado para a democratização do acesso à cultura e à leitura. A colecção “Obras de Mário Soares” é o mais recente lançamento da editora da INCM. Um projecto editorial ambicioso e complexo que se decompõe em várias fases, mas igualmente muito gratificante.

Assumiu em 2010 a direcção da Unidade de Edição e Cultura (em 2010, Unidade Editorial) da Imprensa Nacional – Casa da Moeda (INCM), a editora pública por excelência que conta com mais de dois séculos e meio de história. Sente uma grande responsabilidade?

Sim é uma responsabilidade grande, mas é, sobretudo, um enorme privilégio. Quantas pessoas podem dizer que fazem realmente aquilo que gostam?

Como surgiu este desafio?

O desafio surgiu ainda em 2009 quando o então Presidente do Conselho de Administração, Estevão de Moura, que eu não conhecia, me convidou para ser o director editorial da INCM. Eu já tinha uma experiência relevante no sector cultural (também editorial) com funções executivas e de consultor em várias instituições de referência.

Ao longo destes mais de 10 anos, quais foram as suas maiores conquistas na Unidade de Edição e Cultura da INCM?

A conquista de um quadro institucional de grande autonomia e de total liberdade de programação e, em simultâneo, a afirmação da marca Imprensa Nacional (a chancela editorial da INCM) como editora pública.

Qual a missão da editora e qual a sua importância para a preservação do património cultural nacional?

A Imprensa Nacional não concorre com as editoras privadas tem, antes, um papel supletivo. A editora pública assegura que textos fundamentais para a língua e cultura portuguesas estão disponíveis nas melhores edições, mesmo quando não é economicamente viável a sua publicação.

A face mais visível da actuação da Imprensa Nacional é, precisamente, o seu plano editorial que todos os anos assegura a edição de 60 a 90 novos títulos.

A editora pública tem hoje um catálogo com mais de 1.500 títulos activos e uma presença digital cada mais visível.

Trabalham em conjunto com entidades públicas de referência na área da cultura, garantindo edições de qualidade e a preços aceitáveis, que promovam o património (material e imaterial) português. Pode dar exemplos de algumas das entidades parceiras?

Posso, claro. A Imprensa Nacional construiu, de há uns anos a esta parte, uma rede de alianças sólidas e variadas. Estabelecemos muitas parcerias, como por exemplo com o Museu Nacional de Arte Antiga, Museu Nacional de Arqueologia, Palácio Nacional da Ajuda, Teatro Nacional Dona Maria II, Teatro Nacional de São Carlos, Fundação Gulbenkian, Plano Nacional das Artes, etc… (são mesmo muitas as instituições!). Estamos a falar e nível nacional. Mas também estabelecemos parcerias a nível internacional, como por exemplo com a Imprensa Nacional de Cabo Verde, com quem partilhamos o Prémio Literário/Arnaldo França.

Ora, esta prática revela a abertura da IN mas, também, uma estratégia de maximização da sua relevância cultural: com um euro fazemos o dobro. E mais, esta prática reforça a influência e o relevo do papel editorial da IN, o que não pode efectivamente deixar de ser considerado muito relevante tendo em vista a perenidade da acção cultural da INCM.

“A DEFINIÇÃO DOS TÍTULOS
QUE SÃO PROPOSTOS À
IMPRENSA NACIONAL RESULTAM,
NATURALMENTE, DE UM
TRABALHO CONJUNTO.”

Quais são os grandes desafios à frente de uma editora pública, principalmente no contexto adverso que estamos a viver, em que a cultura é das primeiras visadas?

Continuar a cumprir a nossa missão de salvaguarda patrimonial e garantir a disponibilização de conteúdos de forma universal e gratuita. A Imprensa Nacional tem em www.imprensanacional.pt, neste momento quase 300 títulos em acesso aberto. E este processo de transição digital da editora pública vai continuar a merecer a nossa maior atenção. Mas gostaria aqui de realçar um facto. A Imprensa Nacional é uma instituição com mais de 250 anos, é uma instituição cuja história se confunde com a história do país nos últimos dois séculos e meio. E sempre, sempre, nos períodos de crise, nos momentos adversos, e foram muitos, a Imprensa Nacional, soube reagir e, muitas vezes, até mesmo superar-se. É o que estamos a tentar fazer.

Recentemente foi anunciado o lançamento das Obras de Mário Soares com o Volume Zero desta colecção, sob coordenação de José Manuel dos Santos, antigo assessor do Presidente. O que representa esta coleção para a INCM?

Do ponto de vista editorial, é um projecto muito ambicioso e complicado. A Imprensa Nacional só pode sentir-se honrada com esta colecção. É uma grande responsabilidade para nós, sim, mas também é uma prova de grande confiança na editora pública portuguesa ao confiarem-nos a publicação de um acervo de valor incalculável de um homem que foi a chave e o motor para a democracia e para a liberdade em Portugal.

Acabou de referir que o projecto da publicação das Obras de Mário Soares é um projecto muito ambicioso e complicado do ponto de vista editorial. Quer explica-nos porquê?

A colecção Obras de Mário Soares é um projecto editorial ambicioso e complexo que se decompõe em várias fases. Em primeiro lugar, o acervo do presidente Soares é enorme, na ordem do milhões, e os textos não estão fixados, o que exige um laborioso trabalho de investigação. Depois há o desafio da edição dos livros, propriamente dito e finalmente, a comunicação de todo o projecto, junto da comunicação social, claro, mas, também com a produção de conteúdos sobre a investigação e as edições, que permitam chegar a um público tão vasto quanto possível.

Quantas obras vai incluir esta colecção? Para quando o Vol.1 e qual o seu conteúdo?

O plano total não está ainda totalmente fixado. Depois do volume 0, “As Ideias Políticas e Sociais de Teófilo Braga”, que apresentámos em Dezembro na Fundação Calouste Gulbenkian, sairá este ano o volume 1, “Portugal Amordaçado”. Esta será uma edição especial em dois volumes incluindo a extensa correspondência inédita que Mário Soares recebeu e enviou sobre este livro (foram transcritas mais de 120 cartas de personalidades nacionais, internacionais e do próprio Mário Soares). Será, pois, uma edição profundamente anotada e comentada, com um estudo inédito de Fernando Rosas, que ficará disponível durante o presente ano.

Qual a razão de escolha das obras de Mário Soares? Acha que esta colecção vai surpreender os leitores?

A definição dos títulos que são propostos à Imprensa Nacional resultam, naturalmente, de um trabalho conjunto. A colecção tem um director, José Manuel dos Santos, e uma comissão científica composta por diversas personalidades, entre as quais historiadores e académicos: António Reis, Bernardo Futscher Pereira, David Castaño, Fernando Rosas, Irene Flunser Pimentel, José Manuel dos Santos, José Pacheco Pereira, Maria Fernanda Rollo, Maria Inácia Rezola, Mário Mesquita e Nuno Severiano Teixeira.

Garantidamente que vai surpreender os leitores. Existe documentação absolutamente inédita que revelará um Mário Soares certamente menos conhecido do grande público.

Na sua opinião esta é uma justa homenagem a “um político que queria ser escritor e que foi escritor ao ter sido político”?

A Dr.ª Isabel Soares, filha do presidente Soares, referiu na sessão de lançamento desta coleção que “nenhuma homenagem lhe daria (ao presidente Soares) mais prazer do que a edição desta colecção”. E isto vale o que vale.

Esta é, sobretudo, uma colecção que, nos seus vários volumes criteriosamente documentados, além das múltiplas obras publicadas em vida – como ensaios doutrinários, depoimentos, crónicas, entrevistas, memórias, discursos e intervenções – acolherá inúmeros escritos inéditos e dispersos e milhares de cartas trocadas com grandes figuras nacionais e internacionais. Este vastíssimo espólio tem sido estudado, transcrito e anotado, dando-se a conhecer, nesta colecção, pela primeira vez, toda a obra escrita e o pensamento do político e intelectual que foi Mário Soares, figura fundamental da nossa história contemporânea, cujos testemunhos são uma fonte primária, insubstituível e essencial da historiografia portuguesa, mas também europeia e mundial recentes.

Para além desta coleção, o que mais vai incluir o plano de edição da INCM em 2022?

O Plano Editorial da IN mantém a orientação dos últimos anos, centrada na promoção da língua e cultura portuguesas, mas não limitada a elas, porque se mantém o impulso de alargar o âmbito do nosso catálogo para novas temáticas e abordagens diferenciadas. É o caso da colecção Itálica, onde continuaremos a publicar os grandes autores italianos. Em 2022, terminaremos o ciclo dedicado a Dante.

Mas, de facto, a generalidade do plano está centrada nos autores portugueses e em língua portuguesa, da literatura ao ensaio, passando pela poesia, edições críticas, história, fotografia, infantojuvenil. Continuaremos também a publicar os portugueses da nossa diáspora, na colecção Comunidades Portuguesas, publicada em parceria com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Os hábitos de leitura e consumo de informação estão a mudar. De que forma a INCM acompanha esta tendência?

As transformações tecnológicas dos últimos anos mudaram o mundo e a forma de comunicar. O mundo digital massificou-se trazendo novas possibilidades de acesso à informação e à leitura. O futuro e o presente da editora pública passam necessariamente pelo reforço do catálogo digital e pela aposta na desmaterialização do seu acervo, o que permite à Imprensa Nacional chegar mais longe e levar a cultura até às pessoas. Há dois anos a esta parte têm sido empreendidos esforços vários para tornar esta realidade possível. E de lá para cá, muito já foi feito.

A Imprensa Nacional tem hoje um novo site, disponíveis em www.imprensanacional.pt que conta com milhares de conteúdos disponíveis, em acesso aberto, totalmente orientados para as letras, arte e cultura, bem como para a história e para o património da Imprensa Nacional.

Nesta plataforma damos a conhecer o catálogo editorial da IN bem como o catálogo e colecções de maior importância da nossa biblioteca; disponibilizamos audiolivros, podcast’s (A Poesia Dita e O Essencial Sobre…), vídeos com os lançamentos dos nossos títulos, e quase três centenas de livros em PDF de forma totalmente gratuita e partilhável e em permanente crescimento.

Também a história da Imprensa Nacional está agora disponível no digital, nomeadamente milhares de conteúdos produzidos no âmbito das comemorações dos seus 250 anos, celebrados em 2018, que poderão ser completados e enriquecidos através de uma ferramenta colaborativa e acessível à comunidade em geral.

Além do catálogo editorial, da história e o património da Imprensa Nacional, a Imprensa Nacional disponibiliza publicações regulares de acesso totalmente aberto: notícias da actualidade editorial; entrevistas de fundo; recensões literárias; biografias de autores; curiosidades e efemérides ligadas à história da empresa; informação acerca dos Prémios Literários promovidos pela IN, novidades de agenda, passatempos, entre muitos outros. A aposta no digital por parte da Imprensa Nacional é inequivocamente um veículo privilegiado para a democratização do acesso à cultura e à leitura, e vem reforçar a missão de serviço público da Imprensa Nacional, reflectindo o posicionamento mais actual e contemporâneo de uma instituição que conta já com mais de 250 anos de existência.

“AS TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS
DOS ÚLTIMOS ANOS MUDARAM O MUNDO
E A FORMA DE COMUNICAR. O MUNDO
DIGITAL MASSIFICOU-SE TRAZENDO NOVAS
POSSIBILIDADES DE ACESSO À
INFORMAÇÃO E À LEITURA.”

Sendo um apaixonado por livros, que livro gostaria de ter publicado na INCM?

Diria que se não estivessem disponíveis excelentes edições (e se a missão da INCM fosse outra, bem entendido) gostaria de ter publicado: “O Leopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa; “O Deserto dos Tártaros”, de Dino Buzzati; “Um deus passeando pela brisa da tarde”, de Mário de Carvalho; “Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago; “A Grande Arte”, de Rubem Fonseca. Também gostava muito de ter publicado “As Crónicas”, de António Lobo Antunes, um volume magnifico que estou a ler neste momento. Esta selecção de cerca duzentos textos revela-nos um dos mais extraordinários cronistas da língua portuguesa.

Quais são os projectos futuros da INCM para a Unidade de Edição e Cultura? Que novidades nos vai apresentar?

Num futuro muito próximo, já este ano, vamos inaugurar quatro novas colecções: Obras Completas de Maria Ondina Braga, Arte Nossa – História da arte portuguesa, uma colecção para os mais novos, a coleção J, dedicada à joalharia portuguesa e a colecção M, dedicada às marcas históricas portuguesas.

Destaco aqui a obra de Maria Ondina Braga que se encontra, desde há muito, esgotada no mercado editorial português. A reedição, pela Imprensa Nacional, dos títulos desta escritora, tão desconhecida quanto original, assume-se como prioritária e perfeitamente enquadrada na missão de salvaguarda patrimonial de que a editora pública está incumbida.

Numa parceria com a Câmara Municipal de Braga (cidade natal da escritora), esta colecção será coordenada pela professora Isabel Cristina Mateus, da Universidade do Minho e pelo professor Cândido Oliveira Martins, da Universidade Católica Portuguesa. O primeiro volume vai ser dedicado a autobiografias ficcionais e contempla os títulos “Estátua de Sal”, “Passagem do Cabo” e “Vidas Vencidas”.

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